Wonder

You were wearing that helmet all the time.

Wonder (2017) - Film PosterHá algum tempo atrás, eu percebi que é complicado manter mais de um blog e decidi juntá-los todos num só. Depois achei os posts sobre os filmes que eu assisto são quase todos sem sentido. Além de não conseguir tempo suficiente para escrever no mesmo ritmo em que os assisto, a maioria dos filmes não tem nada de especial e muitos, senão a própria maioria, são ruins mesmo. Logo começou a crescer o backlog desse blog, que aumentou as já grandes filas dos outros, apareceram os posts repetitivos e, por fim, vazios. Graças a D”s, descobri o letterboxd, que é um jeito mais bacana de logar o que assisto e opinar só quando acho que vale a pena e que os milicos da internet não vão me encher o saco (motivo de eu ter tentado e largado do filmow).

Apaguei os posts de cinema, exceto alguns em que o filme é totalmente secundário. Apaguei também os bobos de uma linha, sem conteúdo, e deixei este blog só para coisas pessoais. Tento manter a frequência agora em um post por semana (o ritmo de um por dia, de alguns anos atrás, me consumia muito).

Mas, e olha que por diversos motivos eu dificuldade em prestar atenção a este filme (por não parar de pensar nos amigos, na vida, na família, no trabalho, na última sessão de terapia, e também na próxima) e de tê-lo achado apelativo, comum e outras coisas, deve haver algo de realmente especial nesse filme para que eu chorasse literalmente do início ao fim. Então, lá vai o post dele.

I forgot that I might see So many beautiful things. I forgot that I might need to find out what life could bring.

Steppeulven (Itsi Bitsi)

2015 - Steppeulven Depois de ver 2 Nights Till Morning, eu estava impressionado ainda. Não queria ver nenhum filme triste. Não queria ficar triste. É engraçado, sempre achei que eu gostasse mais de comédia. A gente vai ao cinema para se distrair, esquecer os problemas, não para criar mais. Mas, cada vez mais, eu venho percebendo que os filmes dos quais mais gosto, e nos quais mais presto atenção, são os filmes tensos, principalmente os que me fazem chorar.

Este aqui eu já tinha escolhido cedo, quando cheguei ao shopping. Pareci ser a história de alguns hippies drogados que passavam a vida na putaria. Não parecia ser nem uma comédia rasgada, nem um drama pesado. Nem um, nem outro. Peguei um capuccino, daqueles bem grandões, e me sentei na segunda fila para assistir. Numa poltrona de canto, para não ter nenhum barulhento por perto me enchendo o saco.

The Freewheelin' (Bob Dylan)O filme começa estranho, drogas, abelhas, o cara que topa dividir a namorada com o outro (por medo de ficar sem ela e por teimosia das bobagens de hippie em que dizia acreditar). Tudo regado a Bob Dylan e algumas outras coisas do tipo. Principalmente Bob Dylan. Tem um disco dele que é tocado acho que quase inteiro, aos pedaços.

Só conforme as personagens vão crescendo, seu comportamento parece amadurecer e começa a fazer sentido. É o enredo também. E é já depois da metade, bem depois da metade, que eu percebi que é uma história real, por mais cheirada que seja, de um famoso rockeiro dinamarquês. O cara era poeta e resolve se meter com música, convida um amigo músico a formarem uma banda, ele como letrista, mas acaba se descobrindo um bom vocalista, para conseguir que seus poemas continuem chegando à mina de quem ele gosta.

Hip (Steppeulvene)Eu tenho medo de ter perdido alguma parte muito boa. Fiquei me segurando ao máximo, mas tive de sair no fim do filme para ir ao banheiro. Essas sessões emendadas, regados a café e cerveja, me matam. Voltei e terminei o filme em pé ao lado da porta e da menina que recolhe as papeletas com as notas.

A história, eu achei bonita, principalmente quando ele a ajuda à força e quando começa a cantar, cada dia mais desesperado por vê-la. Começo a perceber que, por mais que espere finais felizes, os frustrantes são os mais reais.

 

Dirk Ohm – Illusjonisten som forsvant

Dirk Ohm – O Desaparecimento do Ilusionista

It’s all about the mind.

O alemão Dirk Ohm, ilusionista, em viagem pelo interior da Noruega, desapareceu do hotel e nunca mais deu notícias. Dirk Ohm existiu de verdade e sumiu de verdade, em fevereiro de 2013.

Foi a partir daí que o roteiro deste filme foi feito. Claro que, como o sujeito sumiu sem deixar pista nenhuma, ninguém nem sabe se ele está morto, apesar do filme ser dedicado à sua memória. Não se sabe o que aconteceu. Ha muitas suposições. A história do filme não é então a que aconteceu de verdade. Nem o roteirista fez um documentário ou uma reconstituição do que se sabe antes do sumiço. Ele é uma fantasia criada sobre o desaparecimento, o inverso, o que se conhece da personalidade do ilusionista e sobre ele ser um ilusionista.

Eu sempre gostei de mágicos. Nem sei se posso chamá-lo de mágico. Não sou assim um iniciado do meio para me importar em saber a diferença entre mágicos, ilusionistas, escapistas, aqueles caras que só fazem truques com cartas e os outros. Para mim são todos mágicos. Podem se ofender à vontade. Para mim, vocês são todos mágicos. E acho que esse é um modo muito mais legal de se pensar.

Gosto muito de circo, só por causa do mágico. Aquelas coisas de malabaristas, equilibristas, trapezistas e animais amestrados, eu acho muito chatas. Ainda assim, não gostei quando o governo de São Paulo proibiu as apresentações de animais nos circos. Por causa disso, os circos começaram a rarear por aqui. E, com eles, rarearam também os mágicos.

Apesar de gostar, eu nunca quis aprender mágicas para ser um. Gosto de ver e imaginar os quadros que pintam. São ótimas personagens para histórias.

People think they like you when you’re gone.

Imagine um sujeito que não é nada de especial, mas te surpreende volta-e-meia, com algo que sai de sua orelha, que brota da mão, que encontra em meio a seus cabelos. O sujeito que parece saber o que você está pensando sem que você nem ao menos esteja pensando.

Ele chega do nada a uma lanchonete. Se senta, pede um milk-shake de cenoura e, diante da recusa do garçon, começa a aprontar. Vai até uma criança que está chorando e, com uma das mãos, recolhe o choro, embola, guarda no bolso. Com a outra mão, acende uma chama, um fogo-fátuo. Joga-a no bolso, de onde sai uma explosão luminosa. Enfia então a primeira mão de novo no bolso e tira de lá uma risada, para gargalhada da criança.

Depois, vai até um casal que está brigando. Passa o braço entre os dois e ali aparece um espelho. Dupla-face. Cada um, agora, vê só a si mesmo, refletido. Ele faz sinal para que se aproximem do espelho e, quando já estão achando chato verem só os reflexos, o espelho some e eles percebem que estão se enxergando um nos olhos do outro. A birra some e aparece em seus rostos sorriso constrangidos pelo flagrante de criancice da briga boba.

Pula o balcão. Tira da fruteira uma banana. Descasca-a e, dentro, há uma cenoura. Coloca-a na batedeira do milk-shake e liga. Pára um pouco para experimentar e faz careta. Vai até a criança que chorava. Olha sua orelha. Dela, puxa um talo de funcho. A criança tenta pegar. Ele quebra ao meio e lhe dá um pedaço. A criança experimenta, estranha o gosto forte e cospe rindo. Ele joga o outro pedaço na batedeira. Cinco segundos e está pronto. Arranca a touca da cabeça de um dos funcionários e joga tudo dentro. Alguém grita um palavrão. E de dentro da touca sai um coelho arrotando a cenoura e funcho.

Ele então se senta de novo. Pede, de novo, o milk-shake. E, enquanto todos o olham comentando “o que será que está acontecendo?”, ele já não está mais lá. Um barulho no balcão chama a atenção. Todos se viram.

É o coelho, todo lambuzado de amarelo, brincando com a bisnaga da mostarda.

Adorei este filme!

Love is the perfect illusion.

Dirk Ohm – Illusjonisten som forsvant (2015) – trailer

Edward scissorhand

I am not complete.

A Cá era uma menina da minha escola. Fizemos colegial juntos na mesma classe, os quatro anos. Os três primeiros à noite, o último à tarde. Na minha escola, escola técnica, o colegial tinha quatro anos. O pessoal achava que eu gostasse dela. Teve até uma vez em que uma amiga em comum me viu chateado e veio me falar que já tinha percebido que eu estava chateado pela Cá estar namorando. Eu fiquei bravo. As pessoas assumem como verdade as coisas que imaginam e tentam pescar alguma oportunidade para imaginar mais algo que sirva como evidência. Isso aconteceu até com o namorado dela que, antes de me conhecer, queria me bater, de tanto ciúme do quanto a Cá falava de mim.

1990 - Edward Scissorhands

Cá era muito legal, um amor de menina, mas antes de descobrir isso, eu já tinha me interessado por outras garotas. Ela era magrinha, branquela. Não era exatamente meu tipo. Acabamos ficando amigos. Voltávamos juntos da escola, conversávamos bastante. Enquanto as outras meninas só falavam de dançar, comprar roupa e namorar, ela estava sempre preocupada com alguma coisa dos irmãos menores, tinha seis. Era crente, por decisão do pai, desde quando tinha uns dez anos de idade, mas carregava um santinho de Nossa Senhora Aparecida na carteira e rezava para ela todo dia. “Meu pai me ensinou a acreditar nela. Não adianta ele me falar agora para fazer o contrário.”

Edward scissorhands - 4

Chegava da escola depois da meia-noite e acordava às seis para trabalhar. Trabalhava em período integral. Meus outros colegas de escola trabalhavam meio-período para terem dinheiro pra gastar com roupa e carro. A Cá era a única que eu via que trabalhava pra ajudar em casa. E gostava disso, se preocupava com os irmãos e se orgulhava em fazer sua parte.

Nas épocas mais puxadas, no fim da tarde, no intervalo entre sua saída do trabalho e o início da aula, nos encontrávamos na biblioteca da escola para estudar. Eu gostava de ajudá-la a estudar porque sabia que não era preguiçosa. Não tinha tempo de verdade.

1990 - Edward Scissorhands - 3

A lembrança que eu tenho mais clara dela é de quando eu me sentava na sua frente, entre ela e a Fá, nos meus dias tristes. Eu olhava o cabelão da Fá na minha frente. Sem me debruçar muito na cadeira, eu chegava perto e ele cobria minha visão como se me escondesse. Eu ficava ali, reparando nos fios do cabelo da Fá, um de cada cor, pensando nas besteiras que me deixavam triste. Invariavelmente, não sei se de propósito, a Cá me chamava (me chamava de Lê), não me olhava no rosto (talvez soubesse que não se olha no rosto de um Lê triste), pousava firme a mão magrinha e gelada no meu braço e me mostrava no caderno algo que estivesse estudando. Eu me distraia e procurava dar atenção.

No final dos anos oitenta, início dos noventa, quase ninguém ia ao cinema. Era a moda do videocassete e das locadoras. As meninas se juntavam no fim-de-semana na casa de uma delas, alugavam um filme e faziam uma sessão com pipoca. Uma segunda-feira, eu cheguei na escola, dei boa-noite, elas falavam do filme que assistiram no sábado. Cá me olhou com a cara esquisita, como se tivesse percebido algo ao me ver: “Lê, você tem de ver. É tão legal! Ele é tão como você.”

1990 - Edward Scissorhands - 2

Demorou mais de vinte anos para eu assistir esse filme. Acho que eu teria chorado de qualquer forma, achei tão triste! Tão triste mesmo! Mas eu tive de fazer uma pausa para tomar dois cafés e espairecer, antes do fim, porque ficou difícil segurar o choro quando me lembrei da Cá e de ela ter dito que ele se parecia comigo, porque comecei a perceber coisas que ela sabia de mim sem eu lhe contar.

Eu precisava de, no final do filme, ela ter-me posto a mão no braço e me desviado a atenção para alguma coisa em seu caderno.

Sweetheart, you can’t buy the necessities of life with cookies.

The Breakfast Club

1985 - The Breakfast Club

… And these children that you spit on as they try to change their worlds are immune to your consultations. They’re quite aware of what they’re going through…
   — David Bowie

Este filme também é um dos que passaram de madrugada, Corujão ou coisa do tipo, na Globo, quando eu era adolescente. Eu me lembro que foi numa noite em que eu já estava acostumado a minha rotina de voltar da escola, cear assistindo o Jô e estudar vendo um filme. Este, quando começou, sem ação nenhuma (nenhuma, nenhuma mesmo), me pôs na retaguarda. Eu já tinha assistido alguns filmes que gostei muito e que começaram sem ação. Eu gosto desse tipo de história. A vida não é uma coisa frenética, ágil, muito pelo contrário. Ela se constrói aos poucos, enreda, enfada e enovela. De forma que eu vejo mais sentido, e me emociono mais, com histórias que são contadas por coisinhas, coisinhas simples, que acontecem todo dia, e que são tramadas com calma para chegar a algum lugar que nem sempre percebemos logo de cara.

Cinco adolescentes chegam à escola no sábado para ficar de castigo por alguma coisa. E é isso que eles fazem, ficam de castigo. Os cinco na biblioteca enquanto o diretor, que deve ser um mal-amado sem família, põe-se de castigo na própria sala, pelo gosto de saber que eles estão se fodendo. Cada um dos cinco é um estereótipo completamente diferente do outro. Sem nada para fazer, eles conversam e se provocam. E como é bom provocar!

Fazem o que adolescentes fazem melhor! Fiquei pasmo com quanto de mim encontrei lá!

Eu me lembro de quando passaram os filmes do Monty Python, acho que foram três ou quatro na mesma semana, e na escola todo mundo começou a fazer piadas com Sir Galahan, os Homens Que Dizem “Ni” e, principalmente, Shuberries. Achei que, da escola também, mais alguém tivesse visto este além de mim. E me decepcionei, nos dias seguintes, quando tentei falar dele e ninguém deu bola. Fiquei chateado, me sentindo deslocado. Bom, naquela escola, eu sempre me sentia deslocado. Até estar já adulto feito (e, para falar a verdade, também desde então), todos os dias, encontrei alguma coisa que pudesse me remeter a este filme, que pudesse usar algo dele para comentar.

1985 - The Breakfast Club
A frase do final nunca saiu da minha cabeça. É sempre que alguém era babaca comigo por eu ser ou um CDF, ou um atleta amador pretensioso, ou um babaca metido que achava que os outros tinham de responder por seus problemas, eu me lembro dela. Das músicas, da senha do punho, não. O que eu sempre me lembrei foi dessa frase é dos choros, e também das caras de perdido.

A primeira pessoa que eu encontrei que também o havia assistido e gostado foi uma garota na faculdade. Na época, o filme já tinha uns dez anos. Era namorada de um amigo e me indignei com ele não ter dado bola para o que ela dizia do filme.

Engraçado que, hoje, não sei dizer de alguém que eu conheça e que o tenha assistido. Sempre falo dele, e ninguém sabe do que se trata (saberiam se eu falasse de Velozes e Furiosos, MMA  ou da bunda de alguma gostosa de plantão), mas quando olhei aquele livro sobre os 1001 filmes, ele estava lá, listado como cult de uma geração e que a última cena era, inclusive, tema tradicional de camisetas e tatuagens. Acho que começo a entender o que cult e geração querem dizer.

Os cinco atores fizeram muitos filmes naquela época, depois sumiram.

É algo parecido com quando li Os Meninos da Rua Paulo. Este filme me lembra de coisas que eu já queria ter esquecido. Mas eu sou apaixonado por ele!