A menina abriu a gaveta das meias e calcinhas e tirou de dentro o caderno, de capa dura e páginas firmes, amarelas, que o pai lhe deu. Na capa preta, está escrito o ano, com caneta dourada, de tinta com glitter. A caneta é feita para escrever na pele, imitar tatuagem, mas é boa mesmo para enfeitar. Embaixo do ano, o nome dela, menorzinho, com a mesma caneta. Ela usa um elástico largo, dois dedos de largura, grosso, colorido, desses que usam para fazer cintos de criança. Ela o usa para manter o caderno fechado. Não precisa de fecho com cadeado ou senha. O que tem lá dentro é segredo, sim senhor, mas está mais bem guardado assim, sem cadeado, para não chamar a atenção. Algumas meninas fazem scrapbooks, diários. Ela, quando disse para o pai que faria um, ele lhe contou várias histórias de como essas coisas acabam, invariavelmente, nas mãos de algum parente cruel que as lê sem discreção, causando embaraço à autora. Há algo nos momentos que retratamos em diários que nos leva a deixá-los ali, escritos, e não ditos. Esse algo é, obviamente, constrangedor ou embaraçoso, ao menos para a timidez de quem escreve. E escrito, tudo tem outra dimensão, maior ou menor, melhor ou pior. Por isso os diários são secretos. São diálogos internos, secretos, para serem relembrados para sempre, para nunca, esquecidos no armário. Por isso o pai lhe deu a ideia: “Você desenha muito bem. Não escreva um diário. Desenhe um.” É o que ela faz. Para todos os efeitos, esse é só um caderno de desenhos. Por algum motivo que ninguém imagina, são desenhos separados dos outros. Para os outros, ela tem cadernos grandes, guardados na estante da sala ou na bancada do quarto. Neles há paisagens, retratos, cenários, coisas que aprende em manuais e métodos de desenho, animais, flores e muitas princesas. Já este, ela não resistiu à tentação de esconder embaixo das calcinhas e meias, e talvez essa seja a única dica de que o que está ali é muito íntimo. As páginas são numeradas, não em sequência ordinária como páginas normais, mas por datas. Cada página tem uma data, em cima, na borda, à vezes mais uma, na em baixo, junto à lombada. Isso é para lembrar em que dia, ou dias, aconteceu aquilo. Os desenhos são mais simples, alguns óbvios para quem está familiarizado com a data da página, outros indecifráveis: um bolo, uma cavalo selado, um avião, poncho e bombachas, um vaso quebrado, uma bochecha suja de batom, um rato de saia, dois morangos, um carteiro, um martelo, uma maçã e um beija-flor, um peixe de biquíni. São umas cento e cinquenta páginas, não desenhou em mais de vinte. Tem só onze anos e muitas páginas ainda onde desenhar.
Fiquei pensativa sobre o que eu desenharia hoje….
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hmmm primeiro pense se há um motivo em especial sobre o qual escrever… ops… desenhar. Algo para recordar.
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