Eu tirei a camisa com aquela preguiça que temos no frio. Já imaginava aquele impacto que a temperatura da casa teria nas minhas costas quando a expusesse. E o impacto foi grande, minha pele se encolheu e eu me encolhi também. Queria ter algo quentinho onde me escorar.
Sem outro jeito, tomei coragem de ir para o banho. Procurei o pijama, peguei uma cueca na gaveta. Fui para o banheiro olhar se havia toalha lá. Havia. Havia também o espelho e preferi olhar se precisava mesmo fazer a barba. Coisa de preguiçoso. Precisava. Fazer o quê? Alguns pêlos brancos já eram visíveis feios.
Já acostumado à temperatura, fiquei olhando o espelho. Comecei a coçar a barriga. Coisa de homem peludo. Coça por coçar. Senti algo. Olhei. Parecia uma ferida.
Parecia uma ferida, mas não era. Olhando com atenção, parecia um furinho muito bem feito, como o de uma narina ou os das orelhas, mas bem menor. Cutuquei. Cutuquei com medo. Descobri que, por dentro, ele não era vazio. Era como um umbigo. Um segundo umbigo, bem menor que o original. De cutucar, passei a escarafunchar. Descobri algo.
Curioso, embora já com uma volta no estômago — vai saber o que é cutucar um furo na própria barriga — continuei a mexer e encontrei algo que parecia a beiço com nó de uma bexiga.
Apavorado, mexi-lhe com o dedo. Queria já vomitar. Parecia enrolado. Enrolado como papel de bala. Achei melhor parar de mexer. Mas, enquanto pisava no freio para parar, ele se desenrolou e, como bexiga solta, soltou um silvo e um bafo.
Saiu algo, um ar ou um éter, invisível, mas que cheirava muito bem. Um cheiro que eu acho que conhecia, mas que não reconheci.
Maravilhado com o cheiro, deixei meu corpo murchar por esse éter escapando. Em certo ponto, deixei de ver com meus olhos e vi- me de fora. Vi-me terminar de murchar.
Meu corpo era agora um saco murcho no chão. Eu? Não sei o que sou. Não tenho mais forma. Espalho-me por aí. Sigo ou sou esse perfume que senti. Tento diluir-me e misturar-me a tudo o que acho bom.