Bolo

Fiquei pouco tempo na faculdade de física. Logo me decepcionei desgostoso com ela.

Do Instituto de Física, uma coisa de que me lembro foi de me falarem sobre a dificuldade de descobrir a idade das estrelas. Foram longas aulas chatas sobre isso que só agradaram aos que achavam que deviam gostar delas para honrar suas camas de nerds).

Gosto muito de olhar o céu em noites claras e olhá-las, por minutos a fio. Claro que tenho minhas preferidas.

Uma em particular tem iluminado meu final de dia. Tem um brilho bonito e feliz que eu não entendo mas me distrai dos pensamentos com que ruins que os adultos grilados têm de lidar durante os dias (e as noites).

A idade, imagino, basta alcançá-la para pergintar. Por outro lado, conhecer como consegue brilhar, de onde veio, o que se passa a seu redor, continua um mistério, como é com todas as coisas bonitas que gostaríamos de entender.

Ainda assim, mais humano e, creio eu, até poético, é podermos dar-lhe uma data de aniversário para acender uma vela sobre um pedaço de um delicioso bolo de chocolate que ela nunca comerá (rs) e cantar parabéns.

saudades

Saudades que batem dos trens que passaram para vários destinos e não peguei. De tantas festas, tantos carnavais que não me fazem falta. Da perna que nunca quebrei. Da vergonha que nunca passei. Do filme ruim que assisti anos depois da estreia. Da cadela de estimação que o pai enterrou por mim. Do caixão de meu irmão que minha mãe me pediu para não acompanhar. Da comida sem sal da avó e do time ridículo do avô.  Da professora que elogiou meu verso, da que ficou zangada por eu não querer escrever e da que ficou vermelha quando percebeu que eu escrevia sobre ela. Saudades do vacilo com a mina de quem eu tanto gostava e recusei até mesmo beijar porque, trouxa que sou, achei que tinha obrigação maior a cumprir. Saudades de quando eu fôr muito velho e tiver só saudades para me fazer sorrir. Saudades de não estar agora cansado a ponto de me arrepender de ir-me ao cansaço. De não aparecer para te dar boa noite ou ao menos dizer que vou ter saudades. Saudades da lua que, por certo, não aparecerá na noite de amanhã e das estrelas que não me importam se não houver lua. Do medo. Do choro do arrependimento. Mas desse não preciso ter saudades. De qualquer jeito ele vem…

Correio Elegante…

… do veterano para a menina nova.

An ever-growing post.

Eu venho até aqui a pé porque gosto de andar e, quando ando, gosto também de pensar na vida, nos problemas todos que eu mesmo crio para minha cabeça. Acho que são muitos e, por isso mesmo, venho devagar, olhando a paisagem urbana da avenida mas sem lhe dar atenção.

Nesta época do ano, primavera, verão, por estas horas ainda não escureceu, não há lua ou estrelas. Por isso não gosto de horário de verão. Prefiro aproveitar cedo o escurecer, as noites de vento fresco, o céu escuro sem nuvens, com vista para a lua e as estrelas. Ainda com sol, o caminho fica insosso. Sem beleza para me distrair, me sobra pensar nos problemas e nas paisagens que tenho guardadas na memória e na imaginação.

Quando chego, ainda longe, na outra ponta do corredor, eu sempre fico ansioso em saber se você está, para me dar boa noite, mesmo sabendo que você não é de faltar e que é pequena a chance de não te ver. Ao mesmo tempo, fico envergonhado de que você ou suas amigas percebam e me achem ridículo. Passo tímido, acanhado, sem jeito, dissimulando. Me apresso, me atrapalho. Finjo que não te procuro. Acho que, além de ridículo, muitas vezes, acabo por fazer papel de grosso e parecer que não me importo ou que fujo. Se fujo, é de mim mesmo, de minha criancice de quem se acha no direito de ainda agir como adolescente bobo porque, na verdade, espero o dia inteiro por essa hora em que, mesmo eu envergonhado, vejo teu sorriso alegrar minha noite como se fosse a lua. Meia lua, lua crescente, brilhante, bonita e simpática.

Tem gente que, graças a D”s prefere outras coisas da noite. Tem até mesmo quem goste mais do dia. Eu gosto desse luar de teu sorriso com o brilho das duas estrelas que são teus olhos e, ao redor, o céu escuro e limpo de seus cabelos.

É por isso que, entre uma atividade e outra, não consigo evitar (bom, na verdade, nem tento evitar) de olhar curioso, disfarçando, meio de soslaio (você sabe o que é soslaio?), na direção onde sei que você fica, te olhar um pouquinho, mesmo que seja só para te ver de costas, distraída ou ocupada com suas atividades. Gosto de te ver de lado quando olho assim. Não consigo ver teu rosto, não ganho sorriso, mas também não fico com impressão de te atrapalhar procurando atenção. E, em compensação, vejo o contorno bonito teu corpo, teus cabelos lindos, que combinam com o uniforme e me dão vontade de brincar.

Duas ou três vezes (acho que foram duas), eu nunca vou me perdoar, cheguei tão acanhando que consegui que você não me visse entrar. Numa dessas vezes, a última, você, acho que no caminho para ao banheiro, me viu e parou para conversar. Depois na saída me deu as mãos para, antes de eu ir embora, puxar uma conversa que eu não engatei, tímido de novo ou com medo de que depois alguém te enchesse o saco por isso. Ainda assim, antes de fugir, senti teus dedos deslizarem devagar pelos meus, fiquei confuso (não sei direito porquê) mas feliz.

Hoje mesmo, algumas semanas depois disso, ainda estou chateado por meu vacilo. Devia ter arriscado ser inconveniente até você me expulsar dali. E, como condição para te deixar em paz, pedir teu telefone para conversar depois sobre minhas idéias fixas.

A primeira ideia fixa me parece até meio boba, porque é algo tão simples, e acho também que é a que mais quero. Com a mão, soltar teu cabelo, arrumá-lo para trás da orelha e descer para teu rosto, segurá-lo como se pousasse sobre um travesseiro.

Depois vem a ideia mais óbvia e que também é a que me deixa mais constrangido de contar porque se você levá-la a mal pode se ofender e não tenho intenção de fazer nada que possa ser ofensivo. À primeira vista, é tão simples e espontânea que não devia ninguém se envergonhar dela ou por ela. Penso em você sentada em meu colo, de frente para mim, para eu pode ter abraçar com as mãos em tuas costas e beijar se você tiver vontade também.

Por último, a que me parece mais legal. Andar devagar, tem de ser à noite, uma caminhada bem demorada, à procura de um restaurante, ou um café, um teatro ou um parque, por um caminho de céu limpo com lua e estrelas, conversando fiado. Você me contando as coisas de que gosta, o que faz quando não estou te espiando, o que te deixa feliz é o que te deixa triste, qual sua cor preferida, se tem algum bicho de estimação, como comemora teu aniversário, onde passou as últimas férias…

Como se fosse um de meus antepassados descobrindo os segredos da navegação no céu do Atlântico e do Índico, com sextante, astrolábio, mapas e tantas outras ciências, muitas delas já perdidas na história. Andar a teu lado conversando, como navio seguindo uma estrela no oceano.

sol

Juro que parei de tentar entender a lógica do mundo, o como e essa história de se há um porquê das coisas acontecerem ou um plano divino para tudo. Não sei quantos mundos existem por aí, nem quero saber, mas ao menos este em que vivemos é caótico, definitivamente.

Imagine este sujeito. Ele passou as últimas duas, ou mesmo três, semanas pensando em quanta asneira faz, e aliás em como só faz asneira. Não conseguiu prender a atenção a nada que precisasse, distraído com problemas que nem devia ter.

Frustrado, resolve ir para casa mais cedo na sexta-feira. Antes de chegar à calçada, desiste desalentado, acha melhor tentar se distrair com o trabalho. Não consegue, claro que não. Quando percebe isso, passa raiva com o trânsito e o metrô lotação no caminho de volta. Parece-lhe ser a única pessoa da rua a voltar para casa quando todos os outros emendam ou saem para a noite. Tenta aproveitar a sexta-feira parando para beber algo, mas desiste e só compra uma garrafa de vinho para beber em casa em, sozinho à noite. Se calhar escreve algo para se distrair.

Desanimado, arrependido e frustrado, chega em casa, toma banho e se deita antes mesmo de escurecer. Maldito horário de verão! A idéia não era dormir, mas foi o melhor que lhe podia acontecer. Acorda perto da meia-noite, sem nada para fazer, procura um filme na televisão, no qual não presta atenção nenhuma, e bebe o vinho devagar amaldiçoando a vida quase tanto quanto a si. Depois da garrafa toda, do filme e de mais alguma besteira dessas que passam de madrugada, volta para a cama a revirar-se abraçado ao travesseiro até conseguir pegar no sono, já amanhecendo. Isso parece se repetir até acabar o fim-de-semana.

Chega no trabalho na segunda-feira e, primeira coisa, vai tomar um café (segunda e terceira também). Distrai-se com o telefone, alguma besteira sem importância, nem se lembra. Parecem-lhe poucos segundos isso. Mas é engraçado, e você já deve ter reparado nisso, como em poucos segundos de distração, minutos podem se passar e perdermos coisas importantes. Quem já deixou o leite ferver e derramar sabe disso.

Mesmo que tenham sido só segundos, foram o bastante para alguém, por trás, lhe cobrir os olhos com as mãos. Essa é uma brincadeira que se costuma fazer com criança, fingindo ser difícil para ela descobrir quem chegou. Mas os colegas falavam alto sobre futebol no café e ele não conseguiu ouvir a voz que provavelmente lhe disse o consagrado “Adivinha quem é.” Não ouvindo, não pode reconhece-la.

Gesto involuntário, que acho que ele faria mesmo se tivesse ouvido, pôs suas mãos sobre as que lhe cobriam os olhos e, ao tocá-las, soube de quem queria que fossem. Teve medo de falar e de se entregar. Falou alguma asneira, sempre fala uma, afinal de contas tudo começou com ele pensando em quanta asneira faz, não seria agora a se redimir. Ela riu de papel de bobo enquanto afrouxava as mãos para ele se virar e ver.

Antes de se virar, ele identificou ao mesmo tempo o perfume e a risada e, com essa pistas, a textura das mãos que não quis deixá-la tirar, mas deixou. Seu coração de pronto se alegrou da surpresa da brincadeira e da coincidência de ser mesmo quem ele imaginou.

Virou-se para a abraçar e viu o sorriso lindo que iluminou sua semana como o sol aparecendo do meio das nuvens.