Espaço

The space around the stars
Is it something that you know?

Precisava de espaço. Anda pela rua, sente como se se desfizesse de um roupão pesar que lhe cobrisse o corpo, não sabe por que, por obrigação talvez, depois do banho que não tomou.

Atravessa a avenida e pisa na areia, acende com dificuldade, por causa do vento teimoso, o charuto na boca. Está na praia à noite. Faixa larga de areia. Escuro, muito escuro à sua frente. Areia limpa. Contrastam tanto com a luz da vida da cidade que deixou para trás quanto com a sujeira que vê ali pelo dia.

A noite ali é dos namorados, fria, escura, quase solitária, se não fosse antes uma pretensa isolante do que eles esquecem para trás, no asfalto da rua e no concreto dos prédios e das calçadas.

Acende o charuto que traz ao bolso. Norwegian Wood. A música dos Beatles na voz do Milton. Ele traz no telefone e ouve agora nos fones. Não presta atenção à letra. O canto parece de alguém que está à vontade. Sente-se à vontade. Que assim é quando resolve fotografar suas pegadas, uma flor no arbusto, ondas que a lente da câmera do celular não distingüe direito. Anda devagar para a água, curtindo a música, a voz, o gosto do charuto, o frio da noite que ele pode sentir sem que lhe digam que é ruim.

Está apertado, já estava antes de vir. Raciocinando simples como criança, chega perto do mar. Mija. A início com medo. Mas logo tem um grande prazer ao perceber que não está ninguém para incomodar. Aí sim mija gostoso. O primeiro prazer é esse. O segundo é o próprio mijar. Deixar suas partes baixas, soltas, à vontade, fazerem o que querem. É um desabafo de liberdade que lhe sabe estranho. Estranho mas saboroso.

O céu, as estrelas. A fumaça que sobe do charuto. As estrelas são braços no céu. Estendidos. A fumaça sobe em rolos como eu faria dançando uma valsa, bêbado.

Gira duas voltas. Quer um aabraço. Abraços desequilibrados e vertiginosos, rodopios, pés que pisoteiam com mal jeito, certo esforço, a areia. O espaço é tanto, as estrelas tão distantes, não lhe alcançam, não abraçam, não lhe esquentam.

Desesperado, acho que isso era desespero, roda louco, valsa feia e desengonçada, gira e gira, naquele passo de valsa que é o único que as crianças imaginam, até cair. Um casal de adolescentes, passante, oferece ajuda, preocupados com o que não entendem e tomam por bebedeira ou doideira de droga. É sim o frio. O frio de não ter abraço onde esquentar seus braços. De não ter outros braços ou costas onde procurar algum calor. Mas é também loucura de ainda poder dançar de desespero por isso.

Liberdade, traição, desejo, conforto. Tantas definições de dicionário e de revistas femininas ou de adolescentes. É só no mar, na areia e na fumaça que sobe do charuto que parece identificá-las com clareza.

Ainda assim, não as conseguiria explicar.

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