Uma Despedida

Ele se despediu primeiro dos outros, não de todos, mas para ela foi como se fosse. Quando chegava para despedir-se dela, foi impossível não se lembrar, naqueles poucos passos, de todas as conversas tímidas, dos momentos de companhia, do café para aliviar a cabeça, das conversas frustradas que preferia ter acertado antes desta.

“Tchau!”
“Vai mesmo?”
“Preciso.”
“Não quero.”
“Também não queria.”

Ela lhe toca o braço, o cotovelo, com a mão, de leve, como faz quem tem medo de tocar o outro. Não durou um segundo nisso. Mas condensadas nesse mínimo tempo, passaram pela cabeça dele vários flashes desordenados de outras lembranças. De momentos em que ficaram próximos e, sem querer, se encostaram. De vezes em que, sem maldade, calhou de perceber que estavam encostados e se deixou ficar, só pelo gosto de dar a ela a chance de se afastar e de ficar feliz por ela não o fazer. De quando a faz abraçá-lo pelo pescoço, toda torta, para ilustrar-lhe como faziam os dois garotos da história que contava. Lembrou-se ainda, e com isso então seu coração se apertou, das vezes em que ficaram próximos, muitos próximos, sem se encostar, e sentiu-lhe o perfume ou o calor e também a angústias da vontade e do medo de tocá-la e lhe fazer carinho. Isso o fez se lembrar também de três sorrisos dela que viu bem de perto e dos olhos dela no terceiro. Pareciam alegres e ele achou que podia ser alegria por ser evidente que ele gostava de olhar seu sorriso. No dia desse sorriso, estava triste e isso lhe deu coragem para atrever-se a, discreto, sentado à seu lado, alcançar-lhe o braço com as pontas dos dedos e, por três ou quatro minutos, fazer-lhe um carinho, um leve cafuné perto do cotovelo. O carinho não ajudou na tristeza, mas aliviou-lhe um pouco alma angustiada. Lembrou-se dessa angústia, sentiu-a de novo, quando chegou perto, a uma distância em que teve de encolher muito o braço para passar-lhe a mão na cabeça antes de lhe beijar a testa, como gosta de fazer, e percebeu que era a distância certa para lhe afagar o rosto e encostá-lo a seu peito. Teve uma sensação estranha na garganta.

Isso tudo não durou um segundo porque ela também teve lembranças e logo se arrependeu da leveza de sua mão, do medo que teve. Deslizou-a poucos centímetros, ainda de leve, pelo cotovelo, para retirá-la. Imediatamente a repôs firme, mas com carinho, segurando-lhe o braço. Só as pontas dos dedos se mantiveram leves. Com elas, não resistiu à tentação de discretamente fazer-lhe carinho.

Ambos ignoraram que tiveram o mesmo flashback.

“Você não vai sumir, né?”

Ele sorriu para não contrariá-la, mas já sabia como essas coisas progridem. No começo, ninguém some. Mas a distância e o rarear do convívio, as novas companhias. Aos poucos vão sumindo tanto quem foi quanto quem ficou. Ela entendeu que ele não queria sumir. Ele também.

“Vai me fazer falta.”
“Saudade?”

Então foi ela quem sorriu, porque ele não entendeu.

“Mesmo que você não suma, vai-me fazer falta.”

Ele não entendeu, ainda assim, mas gostou de ouvir a frase enigmática. Tímidos demais, abraçaram-se aparentemente frios, constrangidos por algo, ansiosos em terminar a despedida. Ambos se sentiram culpados e se arrependeram disso depois.

Ele terminou as despedidas e saiu com a cabeça pesada, olhando para baixo, sem sentir o chão onde pisava.

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