Desencontro

Pareciam feitos um para o outro. E é o que diria quem os visse ali, jantando, discutindo o filme que veriam juntos daí a pouco. Pratos já vazios, mãos pousadas sobre a mesa, brincando com os pés dos copos do vinho que bebiam. Os copos um ao lado do outro, as mãos quase se tocavam.

Era aquele momento, vocês sabem, aquele capítulo da novela, quando o casal ainda não sabe se os dois estão pensando a mesma coisa. Se o outro quer o mesmo. E perdem tempo rodeando. Estão os dois agora fantasiando juntos as mesmas coisas, com medo de tentar o próximo passo, o óbvio, que ainda não estão na sala do cinema. Lá na sala o passo óbvio será ainda outro, o abraço de sofá, o beijo. Aqui é apenas as mãos se tocarem e um deles dizer um “Te gosto muito”, ou mesmo um mais discreto e enigmático “Que bom você estar aqui comigo”.

O protocolo não estabelece formalmente de quem deve ser a iniciativa, mas ele se sente, orgulho besta de homem, em obrigação. Tímido, e muito tímido mesmo, pensa rápido em o que pode dizer sem se expor muito. Besteira temer se expor. Quem o olha de fora sabe o quanto já está exposto. E, se ela não merecesse essa exposição, melhor não estarem ali.

Ele não consegue pensar na frase. Chega o silêncio, de alguns segundos, parece muito. Encabulado, ele olha para a toalha. No íntimo, está apavorado, fugiria. Fugiria mesmo sabendo que se odiaria para sempre. Olha a mão dela e pensa em como poderia pegar-lhe os dedos, um carinho discreto.

Um barulho do lado de fora lhe chama a atenção. É uma chuva forte, de verão, mas com frio e ventania. Admira-se. Um homem, de charuto aceso na mão, está encostado ao vidro que dá pra mesa deles, tentando se proteger da chuva. Ele se lembra de que tem de falar algo. O silêncio é mais apavorante que o medo da rejeição. Não, de jeito nenhum, não vai falar do tempo de jeito nenhum.

Ele achou então que já havia deixado passar o bonde, o momento. O longo silêncio fez parecer ridícula qualquer coisa que ele dissesse. Fingiu um súbito interesse e perguntei-lhe algo sobre os problemas com o ex. Ela respondeu, decepcionada pelo assunto não ser o que queria. Percebia-se que não se interessava pela conversa. Ele insistiu. Aos poucos a conversa engrenou-se, infelizmente, por esse caminho. Distraíram-se.

Na poltrona do cinema, depois, no escuro, faltou o óbvio. Porque já não era mais óbvio. Ela também, decepcionada, mas tão culpada quanto, já não queria mais. Não queria alguém assim. A princípio, apenas por decepção, porque preferisse alguém diferente. Depois, a decepção virou raiva, indignação por sentir-se desfeita. Contrariada, a raiva soube-lhe suficientemente bem.

Ele demorou mais a entender o que aconteceu. Quando se tocou, percebeu que ela também não era como ele queria. Lamentou não ter rolado mais nada naquela noite. Afinal, tanta coisa rola com tanta gente, tantas noites, e é bom, mesmo que não dê certo no final. Mas achou melhor não terem continuado. Vai saber em quê daria esse relacionamento que, de forma alguma, daria certo…

Sem nem combinarem, por coincidência, nunca mais tentaram se encontrar.

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