Tudo Bem?

Eu disse para ela se sentar. Gosto de ter esses momentos de cavalheirismo. São espontâneos e sinceros. Não os tenho sempre, mas quando acho que devo. Acho mesmo que, na maioria das vezes, sou mal-educado mesmo. Não tenho conhecimento ou costume desse tipo de convenções. Sou daquelas pessoas que não sabem se comportar em lugar nenhum, então fazem o que acham melhor. Nem sempre acerto.

Ela se sentou num sofá, bolsa ao lado. Ela ocupava um lugar do sofá e, a bolsa, o outro à sua esquerda. Mulher é assim, acha que bolsa tem bunda e precisa se sentar.

Na pequena fila, esperando a vez, me arrependi de dizer-lhe para se sentar. Podíamos conversar ali, aqueles minutos de espera, enquanto as pessoas perguntam, já na frente do caixa, do que é feita cada bebida e decidem o que querem. E ela também não tinha muito o que fazer sentada, além de descansar as pernas. Olhou o relógio, o telefone, as pessoas de uma mesa próxima. Olhou-as como se achasse que elas lhe xeretavam. Se estivesse na fila comigo, eu lhe perguntaria se não queria aquele café que eu odeio e digo que é “sabor carvão”. Ela diria que não tem gosto de carvão, que é bom, mas que prefere o outro que já havia me encomendado. Eu riria de ela recusar o café ruim. e ela riria de não ter conseguido defendê-lo.

Sentada, depois de conferir o que podia inventar de conferir, não teve mais o que fazer além de ficar sentada, pensando. Ela se sentou bem junto do encosto do sofá. Os braços bem esticados, tensos, segurando o telefone com as duas mãos entre as pernas. O olhar imóvel, em direção a alguma vitrine de loja que ela não tinha como enxergar direito dali. Só podia pensar.

Quando eu chegava com os cafés, ela tirou a bolsa para que eu me sentasse a seu lado. Senti-me culpado pelo que pensei sobre mulheres acharem que bolsa tem bunda. Ela pôs a bolsa à sua direita, bem encostada no corpo. Chegou-se um pouco mais para onde eu ia sentar. Assim a bolsa não ocupava tanto espaço.

Eu, primeiro, arrastei com a perna uma mesinha para junto do sofá, pousei os cafés e me sentei a seu lado. É estranho conversar assim, sentado ao lado. Parece coisa de namorados.

Ela ajeitou um pouco o corpo na poltrona, de frente para a mesa. As pernas se encostarem em mim. Quase se deitou no meu colo quando esticou as duas mãos para alcançar o copo menor: “Este aqui é o meu?”

Era sim. Mas ela não me esperou responder para esquentar as palmas das mãos no calor do copo de isopor. Sorriu com a ponta do lábio. o calor lhe fez bem. Depois voltou para o encosto da poltrona, trazendo o copo, ainda com as duas mãos, para juntos do peito. Pose de comercial de café. Se eu estivesse sentado de frente pra ela, não resistiria a tirar uma foto.

Fiquei com inveja do copo. Queria um pouco de atenção também. Tive que interferir para quebrar o clima dela com o copo: “Tudo bem?” A pergunta era acompanhada por um sorriso irônico. A resposta, “Tudo. E você?”, não servia. Já tínhamos nos encontrado antes, chegamos ali juntos. Não era caso de seguir o protocolo de cumprimento. Insisti, provocando, para puxar conversa: “Tudo mesmo?”. Ela olhou para baixo: “Ah! Ainda não rolou. Mas tenho de ter paciência.”

A cara dela não era de eu estar me metendo. Também não era de quem não queria me contar ou que eu perguntasse. A frase seguinte foi de quem não queria falar: “Vou pegar açúcar”. Falou e já foi se levantando. Ela deveria ter-me pedido para pegar o açúcar. Eu teria gostado de agradar. Sempre esqueço de pegar o açúcar, me esqueci de pegar para ela.

Foi para o balcão pegar o açúcar. Só depois da metade do caminho se lembrou de levantar a cabeça para olhar para onde ia. Pegou rápido, dois saquinhos. Esqueceu de abrir o copo. Pousou os saquinhos, abriu o copo. Tudo isso apressada. Rasgou um saquinho. Despejou no copo. Rasgou o outro. Despejou também. Pegou a tampa. Lembrou-se de mexer. Pegou o misturador, começou a mexer. Pousou a tampa de novo. Pegou outro saquinho, achou pouco o açúcar para o tamanho do copo, e era um copo menor que o meu. Rasgou e despejou. Misturou de novo, com pressa, mal misturado. Jogou fora o misturador e tampou o copo. Olhou para mim e voltou, olhando para baixo de novo.

Sentou-se agora com o corpo mais virado na minha direção, como quem quer conversar. Mas não falou nada. Segurava o copo, agora, com uma mão só. Ajeitou o corpo no sofá e ficou bem encostada em mim. Fiquei encabulado, não precisava. Ela puxou a bolsa pra trás, pro encosto da poltrona junto da bunda dela. Apoiou o peso do próprio corpo no encosto.

Cheirou o café: “Agora sim. Docinho!”. Falou como se a sensação de doce fosse olfativa. Lembrei-lhe: “Doce se sente com a língua, não com o nariz… meu doce”. Ela riu de leve e me chamou de besta. Fingiu dar-me um tapa no ombro. Se diverte com as cantadas toscas que eu improviso para lhe divertir. Fiz cara de nojo: “Eca! Açúcar!” Ela não quis comentar, mais um vez, a minha aversão a açúcar.

Tomou seu copo, menor, mais rápido que eu. O meu, além de maior, eu espero mais para esfriar e bebo, primeiro em bicadas, até ficar morno e perder a graça. Aí viro de vez tudo o que sobrou. Quando terminou, o meu ainda quase cheio, deitou a cabeça no encosto sintético da poltrona, de olhos fechados. Fez um movimento de pescoço até que sentiu um pedaço da testa encostado em meu ombro.

Arrumei-lhe um cachinho de cabelo que caia na testa. Não precisava. Era pouco, não atrapalhava. Foi uma desculpa para tocar-lhe com a mão. Beijei-lhe a testa. Ela abriu os olhos. Arrumei de novo o mesmo cachinho de cabelo, que já estava arrumado, e inclinei a cabeça para tocar-lhe a testa com a bochecha. Só toquei rápido e voltei a cabeça à posição ereta. Quase ereta. Ainda se inclinava um pouco em sua direção.

Ela fechou os olhos de novo e ficou quieta. Tem gente, têm dias, que é assim. A pessoa não quer falar, só quer um café e ficar perto de quem queira ouvir.

 

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