Eu tenho vontade de escrever, de escrever agora. Por isso quis passear agora, no frio. A noite está começando a gelar.
Não escrevo nada desde ontem à noite. Essas horas improdutivas, fazem-me mal. É como se não tivesse feito nada de minha vida. Não tivesse me passado nada de bom que eu queira contar. Como se eu tivesse vivido só a repetição da rotina, enfadonha, previsiva e prevista.
Está vontade de escrever é quase disciplinar. Não é a vontade de ter algo e não ver a hora de conseguir contar. É o querer contar e não saber o quê. Faz um frio que incomoda os braços, esqueci o agasalho. Na verdade, não quis usar agasalho, evito, me sufoca. Mas dói escrever no frio.
Tenho umas idéias, mas nada que eu consiga terminar de escrever ainda hoje. São idéias de histórias longas, longas histórias, que eu quero contar em detalhes, elaborar. Coisas que vão demorar semanas para contar como quero. Histórias que demoram semanas, meses, anos, uma ou duas vidas inteiras, para serem vívidas. Não podem ser contadas num ritmo apressado. Temos de contá-las assim, como são vividas, no mesmo ritmo.
Não são essas que eu quero contar agora. Eu quero algo para publicar hoje. Este dia precisa de algo. Se não tiver nada, não foi vivido, foi um dia a menos, desperdiçado.
Eu olho meu copão de chá, chá gelado, aqui no frio, no descoberto. É gostoso. Olho as mesas e poltronas em torno, noite de domingo é uma noite estranha, entendo um pouco porque não sai nada. Tentar escrever aqui e não conseguir me deixa estranho, triste.
Guardo minhas coisas. Por agora, paro. Paro, não desisto. Logo mais, à noite, — agora são oito, noite é depois das onze — depois do banho, no sofá, no escuro, pernas cobertas pelo edredon, televisão ligada em alguma porcaria, — de domingo, só tem porcaria — chá ao lado, na mesa, cabeça pousada no encosto do sofá, descansando, vou pensar. E, pensando, vou imaginar algo sem querer e vou escrever, quietinho, pensando no resto da noite.