Quando passeio, tomo café, ando. Não tenho bem o que olhar na cidade. Olho as pessoas, os casais. Acho bonitos olhar os casais. Principalmente no frio, passeando abraçados, com roupa de frio, acho bacana.
Ao cansar de andar, ou me cansar do frio, entro num café onde possa pedir uma bebida quente bem grande e me sentar olhando o movimento. Entrei num e fui para a fila fazer meu pedido. Não gosto de filas, mas o frio lá fora é bem pior. Aproveito para olhar as pessoas que estão sentadas por ali.
Logo perto, havia um sofá com um casal mexendo juntos num notebook numa mesa em frente. Casal com notebook não é coisa comum. Quem normalmente fica mexendo nessas coisas são homens sozinhos, ou gente que se vê que está ali usando a mesa do café para trabalho como se fosse seu escritório.
Eles podiam estar vendo fotos de viagem. Ele prestava atenção em algo que teclava ou clivava, ela tinha o sorriso largo de quem vê fotos.
Ele acabou rapidinho o que estava digitando, pegou o copo de bebida quente, encostou-se para trás no sofa e se virou um pouco na direção do corpo dela.
Ela demorou um pouco mais para tirar os olhos da tela. Sua bebida, um copo igual ao dele, ela já estava segurando, com as duas mãos, como fazemos para aquecê-las.
Devem ter vindo a pé, da rua, estão com casacos pesados. Dois guarda-chuvas estão em pé ao lado do sofá, encostados no “L” entre o braço e o encosto. Uma bolsa feminina grande, florida, sentada junto. Devem ser deles, a bolsa dela. Vieram da rua sim.
Ela se sentou de lado no sofá, de frente pra ele, em cima da perna direita, o pé pra fora. Ele sério, ela sorrindo. A mão que tinha livre, ele pousou na coxa dela, fez um carinho de leve e deixou ficar. Ela tirou um pouco uma mão do copo, retribuiu o carinho pelo braço dele. Depois, chegou o corpo mais para o encosto do sofá e voltou a pegar o copo com as duas mãos. Ele, daí a pouco, tirou a mão da coxa dela para apontar o notebook falando algo. Ela respondeu. Ficaram conversando, bebendo o que tinham nos copos. Até que ele pousou o seu na mesa, juntou as maos olhando o notebook e balancou a cabeca em “não” com cara de que não acreditava em algo. Ela pôs-lhe atrás do pescoço a mão direita, que devia estar quente de segurar o copo. Falou-lhe algo, sorriu, esfregou a mão pelas costas dele. Ele desfez o siso, parecia mais alegre. Olhou-a. Chegaram os rostos mais perto. Ela lhe ofereceu a boca. Beijaram-se rápido.
Voltaram ao notebook quase abraçados, revezando o controle. Não sei do que falavam. Não precisava saber. Aliás, nem devia ficar olhando.
Quando peguei minha bebida, procurei um lugar para me sentar. Fui para um banco no balcão da entrada para tomar meu cappuccino e escrever em meu tablet de homem sozinho. Passando pelos sofás, ouvi: “Este é meu. Este também. Este é teu.” Mexiam numa planilha, parecia um orçamento. Que xereta eu! Deviam ser casal novo. Recém casados ou noivos. Seria mais fácil eu ter reparado se usavam alianças. Isso é coisa que homem não repara, nem entende. Se tivesse olhado, saberia se eram noivos ou casados.
Não precisei beber devagar para ter bastante tempo olhando-os. Minha bebida estava muito quente, muito quente mesmo! Foi assim que eu pedi e fizeram direito. Tive que esperar muito até conseguir beber. Dividia a minha atenção entre escrever uma história e xeretar o casal. Eles revezavam a atenção ao notebook com conversas olho-no-olho. Parecia ensaiado.
Demorei tanto, todavia não tanto quanto eles, que precisei ir ao banheiro. Meu copo ainda estava pouco abaixo da metade, mas abandonei-o. Desci do banco e enquanto arrumava a mochila, ouvi a mulher dizer numa surpresa meio brava: “Ah não, de novo isso não!”
Virei-me para olhar, foi instintivo. Ainda peguei o final da fala. Ela não teve muito tempo para ficar brava. Ele deixou o copo na mesa, as duas mãos pôs em seu rosto. Olhou-a nos olhos, alisou-lhe a bochecha e o cabelo e disse: “Não vamos brigar por nada, nunca. A gente não precisa. Vamos conversar com calma e decidir juntos. Deixa anotado aí do lado, no final a gente conversa sobre isso.” Ela sorriu com os olhos e fez que sim com a cabeça. Pôs a cabeça no ombro dele um pouco.
Aí, como se nada tivesse acontecido, voltaram ao que faziam antes, exatamente do mesmo jeito.