Desde pequeno, eu fui metido a escrever. Em casa, ainda pequeno, pegava papel, grampeava como uma brochura, escrevia duas linhas por página e dizia que era um livro escrito por mim. Não mostrava isso a ninguém, óbvio.
Aprendi a ler cedo, com três, quatro anos, minha madrinha e meu irmão me ensinaram numa cartilha Caminho Suave e gibis da Disney. Dos gibis para os livros de escola de meus irmãos, recheados de crônicas e letras de músicas, foi um passo. Na época, os livros didáticos usavam muitas letras de músicas, crônicas e contos para ensinar português. Logo comecei a imitar os escritores e brincar de escrever minhas coisas também.
Na escola, minhas redações eram muito elogiadas. Hoje tenho dificuldade com versos, na época não. Lembro de um poema em particular sobre descer o Pico do Jaraguá de carrinho de rolimã. Essa era uma brincadeira perigosa que algumas crianças faziam na época, todos conheciam alguém que tinha morrido assim. Lembro da professora de português da sétima série, Marta, parar ao meu lado, curiosa com o que eu estava escrevendo, ela pediu licença, pegou o caderno da minha mesa, segurou na frente dos olhos e ficou por alguns minutos olhando fixo enquanto repetia várias vezes: mas isto está muito bom, muito bom mesmo. Isso não me envaideceu, ao contrário, fiquei encabulado por chamar a atenção.
Do colegial, me lembro da professora do segundo ano brava comigo. Ela ficou uns dias brava, porque eu não quis participar do concurso literário da escola. Por algum motivo, timidez, sociopatia ou arrogância minha, nunca participei de nenhum concurso literário. Desse, acho que fui o único da escola a não participar. Não era obrigatório, mas quem não se inscrevesse tinha que, fazer uma redação valendo nota enquanto os outros faziam a redação para concorrer ao prêmio do concurso. Fiz a minha para a nota. Não me lembro da redação, do tema ou da nota. Lembro da professora que, tentando me convencer, sem sucesso, prometeu ficar de mal. Falou assim mesmo, como criança. Acho que ela não se tocou que eu já tinha desesseis anos. Lembro que, quando percebeu que eu terminei a redação, pegou-a, eu me sentava logo junto à mesa dela, leu e fechou a cara. Mais uma semana e eu já estava conversando normalmente com ela de novo.
Depois foi o cursinho. No cursinho éramos muitos alunos, uns quatrocentos. Sábado sim, sábado não, entregavam, cada um, duas redações à professora. Isso dava mais de cinqüenta por dia para ela ler, e corrigir. As minhas sempre me voltavam com alguma observação elogiosa. Eu não as mostrava a mais ninguém, mas ficava orgulhoso. Não sei com quantos alunos mais ela fazia isso. O que ela escrevia para mim, me incentivava, aí prestar vestibular. Eu guardava o elogio só para mim.
Teve uma redação, essa escrevi na classe, em que fiquei olhando a professora fumar. Naquele tempo, século passado, fumava-se. Ela fumava à porta da sala, para menos nos incomodar. Fiquei olhando-a, era bonita, não muito, mas me atraia. Enquanto observava, escrevia uma descrição nada imparcial do que via. Não a citei, tentei fazer de forma a que não notasse que era ela mesma quem eu descrevia. Tenho certeza de que não consegui. Nessa redação, eu, narrador, confessei invejar o cigarro que “consome essa mulher enquanto ela o consome”, “mais que simplesmente lhe tocar os lábios, é ela quem o leva a eles”, “eu vi, ela o tocou com a língua, que inveja!” Essa ela me retornou sem nota, nem correções, só um “Adorei! Quero outras dessas!” escrito no canto. Acho que não houve outras. Hoje não sei como tive coragem de escrever isso e lhe entregar. Provavelmente o misturar-me anônimo aos outros centenas de alunos.
Na faculdade, perdi o costume de escrever, o de ler também. Falta de tempo. Talvez não escrevesse mais porque não tinha uma professora de redação ou de português me cobrando esse dever. Só o fazia raramente em cartões de aniversário.
Vim a tentar de novo, só depois de mais de dez anos. Não lido bem com as frustrações da vida adulta, tenho consciência disso. Escrever, então, me era já uma forma não só de fuga, lugar comum, era também de comunicação com um mundo imaginário e, creio eu, infantil, dos sonhos que eu ainda não sabia que tinha. Mas esses textos não me pareceram bons. Houve um ou outro dos quais gostei muito, mas a maioria me desagradou extremamente.
Não conseguia gostar nem me apegar a eles. Escrevia, apagava, abandonava. Os poucos, muito poucos, que me agradaram, não guardei. Mas mesmo não os tendo mais, sei que eram muito ruins. Embaraçosos.
Escrevia a intervalos. Por uns dias tentava, por semanas me arrependia, aí destruía tudo e tentava de novo. Eu digo que isso é como uma mandala mal-feita que eu tenho que destruir antes que mais alguém veja. Alguns cheguei a mostrar a outras pessoas e, mesmo quando ouvi elogios, reneguei-os e larguei mão.
Depois de muitas tentativas, este ano, pelo meu aniversário, comecei um novo ciclo e, desta vez, parece-me bom o material. Eu mudei bastante neste tempo todo, mas tenho certeza de que não fui só eu o responsável pela mudança que me agrada. Por certo estou fazendo isso, de escrever, de um jeito mais gostoso e fluido para mim. A alegria e o prazer que tenho tirado daí são imensos. Talvez essa seja a famosa felicidade de que tanto falam. Mas não é só pelo escrever, por imaginar, digitar e publicar.
Quero agradecer, demais, a essa luz que me iluminou. Você se tornou muito especial para mim, meu sol e minha lua. Muito obrigado por este mês e meio. Espero que nunca acabe.
imu
Que declaração de vida esse texto!! Lindo! Verdadeiro!
imu relaciona-se com o iwmu?
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Era para ser só uma nota. Cresceu feito suflê rs
Gostei de escrevê-lo.
Se relacionam sim.
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Hum… Então será que o agradecimento é para quem estou pensando que é? Rs
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😉
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☺️
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😘 dá a bochechinha aqui
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