Acabou o papel higiênico e eu tenho que andar muito para comprar mais. Não sei por quê. Afinal, na venda do pai, ao lado de casa, ele tem.
Mas eu vou comprar, não sei onde. Em segundos, andei toda a avenida, meu irmão vem comigo, e as casas acabaram, ela virou uma estrada de terra vermelha na crista de um morro pelado.
O barranco dos dois lados lados é perigoso.
Mais segundos, talvez um minuto, caminhando e a estrada chega ao deserto de areia. À direita, deserto a perder de vista. À esquerda, um despenhadeiro que acabava em covas. Covas como as do cemitério que havia em frente de casa. Como pode haver um despenhadeiro num deserto onde o chão é só areia? Eu andava na outra direção, acho que oeste. Onde houve a curva ou retorno que me trouxe a andar para está, leste? A estrada pareceu-me reta, o caminho todo.
Animais: cachorros, cavalos, camelos, vacas e gente, circulam pelo deserto. Aparecem e somem não se sabe de nem para onde. Não são miragens, não é o calor, o tempo está gostoso como estava no quarto quando me deitei.
Meu irmão diz que chegamos, não vejo onde. Os pés começam a afundar cada vez mais na areia a cada passo. É difícil andar. Lembro dos desenhos animados, das pessoas andando na neve com raquetes amarradas às solas dos sapatos. Se funcionam mesmo, seriam-me muito úteis.
Percebo o absurdo que é um penhasco na areia e é, nesse instante, de novo como num desenho animado em que a personagem cai quando nota que está a andar sem chão onde pise, é nesse instante que o meu pé afunda mais na areia, a perna entra até o joelho e o despenhadeiro desmorona, como água, como areia seca, como se uma criança que faz um castelo de areia lhe desse um golpe com a pazinha para desmanchá-lo e voltar pra casa, sem deixar o castelo para a próxima criança a brincar naquela praia.
Caio com aquela cachoeira de areia, no vazio, para o vazio, sem fundo. Vertigem demais. Aflição de não ter chão.
Acordo, não em casa, na minha cama ou caído no chão ao lado dela. Acordo jogado de encontro a uma pirâmide de rolos de papel higiênico numa venda, muito parecida com a do pai.
Tem umas quatro vezes minha altura. Não, é maior, umas quatro vezes a altura de meu irmão. Ele não alcança o último, mais alto. Não vai alcançar. Me pede para pegá-lo.
Eu subo alguns degraus de rolos de papel e a pirâmide cede. É oca, não sabíamos. Caio, agora para o vazio de seu interior escuro e macio.
Acordo, desta vez com meu pai, desajeitado, me levantando do chão para me por de novo na cama.