Ping Pong

Só homem sabe como é complicado dar presente pra mulher, não é só porque elas são complicadas, e são mesmo, mas porque elas são diferentes.

Eu queria dar um presente pra uma amiga que não via há tempo e que se encontraria comigo prum café.

Fazia mais ou menos ideia do presente. Quando gosto de alguém, gosto de fazer o presente, que repare que deu trabalho e que tomou tempo para agradar. Acho esse o melhor jeito de demonstrar que alguém é importante pra mim. Algo que faço e que parece que lhe agrada, e que ela também gosta de fazer é escrever. Ela já havia perguntado se escreveria algo pra ela ou com ela. Eu queria escrever então algo só pra ela, e lhe daria escrito num caderno para que ela soubesse que é só dela, ninguém iria ler sem sua permissão, e também para sugerir que ela escreva ou desenhe, ou rascunhe. Se não podemos ter tudo o que queremos, podemos criá-lo no papel, por momento. Quando escrevo ou desenho, ao menos para mim é assim, naqueles momentos é como se vivesse minha fantasia de realidade.

Bom o que fazer então eu já dei por decidido. Mas queria agradar ao máximo, ela merece! Existem tantos cadernos no mundo, e eu sou tão chato, um chato que adora cadernos, para escolher os meus. Os meus são um modelo relativamente barato, mas sempre o mesmo modelo. O número de folhas, a largura das pautas, a espiral, tudo eu já tenho homologado. Caneta também. Uso sempre o mesmo, e caneta também sempre igual. Eu queria chegar o mais perto possível do alvo. Como? Não ia perguntar pra ela, estraga a surpresa. Ou ia?

Já estava em cima da hora, era o dia – noite – anterior e eu ainda não tinha encontrado como. A luz veio na porta da papelaria. Teve uma brincadeira que fizemos uma vez, ping pong. Perguntávamos, pelo whatsup, coisas alternadamente um pro outro. Parece bobinho, mas eu adorei. Brincamos uma bateria inteira de celular. hmmm Ping pong, eu me divertiria conversando com ela e ainda tentaria obter pistas. Pareceu-me perfeito.

Whatsup na mão, foi algo assim:

“escuta, linda, ping pong?”
“ok”

Eu já sei que ela é clássica, tradicional. Moleskine é o mais cláassico, Hemingway usava e… sei lá, é elegante como ela que é elegante demais.

“cores?”
“preto, branco, azul marinho”

Cores discretas e básicas. Nada que chame a atenção. Então, acho que o roxo não, nem o amarelo Simpson. Preto, isso mesmo, preto. Eu mesmo prefiro preto.

“bla bla bla bla bla bla bolsa grande ou pequena?”
“grande”

Ufa, caderneta ninguém merece. E caderno bom tem que ser carregado na bolsa, pra estar a mão a qualquer momento.
Capa dura não, mesmo em bolsa grande ocupa muito espaço.

“bla bla bla bla bla bla lápis ou caneta?”
“lapiseira”

Não estava nas opções, mas eu também uso lapiseira, ou lápis, caneta só no trabalho. Lá no escritório não tem onde comprar grafite ou apontar lápis. Pra usar lapiseira, o papel tem que ser mais áspero, pro grafite riscar melhor, e razoavelmente espesso e rígido pra não vincar o verso quando a gente escreve na frente. Fica feia e ruim de ler aquela página onde se sentem os veios da escrita do lado contrário. Eu vi um modelo com folhas pautadas amarelas, parece ser o melhor.

Comprei o caderno feliz. Sorriso infantil de quem completou o álbum de figurinhas. Continuei a conversa no telefone, estava muito legal:

“bla bla bla frio ou calor? doce ou salgado?” etc etc etc

Ia longe.

Em casa, arranquei a embalagem do caderno e escrevi o texto. Já tinha ideia dele também, um ensaio, despretensioso – se é que eu consigo ser assim modesto, mea culpa de novo – mas sincero e, importante: escrito sem revisão, para ser mais sincero, estilo “pronto, falei”. O ping pong continuava, em paralelo. Me divertia bastante com ele, até, como da outra vez, a bateria dela acabar. Que pena! Sempre na melhor parte…

Quando eu terminei o texto, já tarde, ele me pareceu muito sério. Faltava algo. Não quero parecer professor ou conselheiro. Até porque ela já diz que eu a vejo como uma menininha. Não quero tratar de menininhas, mas também não posso ser sério, seriedade demais, por mais carinho que eu sinta quando escrevo, pode parecer fria. Quantos mal entendidos deste mundo não devem ter começado porque uma conversa séria não explicitou o carinho que ambos deviam perceber?

Faltava ele, o carinho, um afago. Nada cerebral, ou profundo. Corrijo, tinha que ser profundo na intenção, não na pretenção. O mais importante: tinha que ser algo que só ela entendesse, ela e eu. Pra ela saber que por mais distante que o texto anterior parecesse, era só pra ela que eu estava falando. Ah! não, o principal mesmo é que e eu tinha que tentar fazê-la sorrir. Meninas bonitas nasceram para sorrir.

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2 comentários em “Ping Pong”

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