Montinho de folhas na calçada

Depois do antepasto, puxo meu copo de conhaque para a beira da mesa e acendo o charuto fora da grade que a separa da calçada. Sempre venho aqui depois do teatro só por causa do antepasto, do conhaque e da calçada onde posso fumar.

As árvores de variedade estrangeira, talvez sejam interessantes durante o dia, pela sombra, mas à noite, não fazem diferença. Só servem para aparar os fios da iluminação de rua que os donos de restaurante penduram para atrair os fregueses que passam. Não fosse assim, isto aqui seria escuro e lotado de bêbados e desocupados como as outras ruas em volta. Rio do pensamento, que não tenho o que fazer, então também sou um desocupado.

Molho o bico com o conhaque, sinto-lhe o sotaque esnobe, esfrego-o com a língua nos lábios. Rio de novo. Um beijo francês, de mim em mim mesmo. Provavelmente o meu único desta noite. Acendo o charuto pequeno, minuto, que não quero passar a noite toda aqui. O metrô só funciona até a uma e eu ainda preciso subir toda a rua no contrafluxo da garotada que desce para as baladas fazendo a zona. Tenho por essa bagunça uma repulsa natural à qual chamo inveja.

Táxis passam devagar parando para deixar ou pegar passageiros. Aqui não há outro motivo para alguém passar. Ou entra ou sai de algum restaurante. Só eu pareço fazer diferente. Em pé encostado à grade, enchendo a boca e baforando preguiçoso o charuto e bebericando e bochechando do copo, a tentar imaginar coisas interessantes das vidas dos outros. Na verdade, imagino-os todos iguais. Entram nos restaurantes ansiosos, alegria nervosa da oportunidade de talvez terminarem a noite acompanhados na cama. Antecipam o romance e também o investimento que virá na conta à saída. Saída de uns alegres, rindo feito bobos, outros encabulados, olham ao redor ou para o telefone, evitam cruzar o olhar com o da companhia, decreto por medo de terem cometido alguma gafe ao mastigar a alface ou chupar o espaguete com barulho para dento da boca. Poucos fazem cara diferente.

Me chama a atenção um monte de folhas secas caídas no chão, quase ao pé do poste. Secas, bege, tom pastel comum em representações de outono. Essas representações de outono herdadas de filmes e livros estrangeiros. Não me lembro de outono bege no Brasil. Os daqui, pelo contrário, são claros, iluminados, cheios de cores primárias. No máximo, se molham de chuva criadeira que logo passa.

As folhas verdes presas ainda à árvore não são tão bonitas. Têm algo de comum que lhes tira a graça. Todas verdes, todas iguais, como em desenho de criança. Esse montinho no chão, onde as crianças não as desenhariam, tem charme.

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