Chegando ao baile, é hora de pôr a máscara. Coisa ridícula que eu vinha escondendo no bolso interno do paletó. Máscara de material sintético preto, macio, parecido com couro, cheia de filigranas feitas com strass, miçangas, paetês, lantejoulas, purpurina, essas coisas que as professoras do primário nos dizem para usar como enfeites em coisas que elas mesmas não teriam coragem de vestir. Eu rio, mal humor meu. Na verdade, apenas me sinto ridículo em entrar fantasiado numa festa. Espero que o taxista não me veja vestindo-a. Espero também que ninguém lá de dentro veja. Prefiro que não me reconheçam e não saibam que sou eu aqui pagando mico como todos os outros convidados.
Me parece tão antiquado isso. Cafona. Baile de máscaras. Todos máscarados como no cartaz daquele filme dos tons de cinzas, ou pior, como no do Kubrick. Implico com essa mania de quererem mandar nas roupas dos convidados. Todos os homens de camisas brancas e ternos pretos. Todas as mulheres de vestidos pretos. Idéia da aniversariante.
Devo ser o último a chegar. Fingi ter algo para fazer no trabalho e procurei chegar quando achei que a festa se encaminhava para o bolo e seus parabéns. Já não há mesmo mais nada salgado onde devia ser a mesa do buffet. Alguns garçons e garçonetes, também mascarados, mas de ternos e vestidos brancos, retiram bandejas vazias e limpam migalhas que me parecem ser de massa podre, de petit fours talvez.
Outra coisa que me incomoda nessas festas é não conseguir conversar. O ambiente está muito barulhento. Não dá para saber o que toca o conjunto no tablado do lado oposto ao da entrada. As pessoas falam muito, agitadas, sem que seja possível imaginar quem fala com quem. Parece não haver contato visual que dure mais do que um ou dois segundos. A atenção de quem fala, e todos falam, se volta de um lado para outro, em movimentos violentos de pescoço, que me lembram os de galinhas ciscando. Assim todos falam e não sei se tem alguém a ouvir.
De cada lado da entrada, há uma escada larga de pedra que parece mármore de pia de cozinha. Dão para o balcão alto que circunda o salão e que parece vazio. Eu subo a da esquerda, mais para fugir dos olhos que chacoalham de um lado para o outro como se fossem chicotes, do que do barulho que, de tão alto, deixa tonto. Os olhares conseguem ser mais altos e mais estonteantes ainda.
O balcão não está realmente vazio. Ele tem vários frisos onde alguns casais e outras combinações com mais ou menos pessoas tentam focar a atenção numa conversa mas acabam todos mudos procurando atividade que os deixe menos encabulados.
Vou até o final do balcão, sobre a quina do tablado, sem encontrar um friso vazio ou um banco. Mas é um lugar onde fico razoavelmente escondido. Na beirada da mureta, se fôr preciso, com um passo e meio para trás, fujo do olhar de alguém que esteja no térreo. Uma coluna que vai do chão ao teto, enfeitada com uma cortina de camurça cor de vinho, impede que outras pessoas do balcão me vejam.
Toca um sino ou tambor várias vezes. O barulho me lembra um prato bem pesado de bateria. A aniversariante aparece no meio dos convidados e anuncia uma valsa e o brinde usando a mesma as mesmas palavras da última miss universo ao receber sua coroa.
Todos recebem taças de champanhe, mesmo eu. O garçom parece ter-me espreitado desde que cheguei para ter certeza de que eu não fugiria do ritual. Em parte fugi. Parece que somos em número ímpar e, escondido que estava fiquei sem par para a valsa.
Salvo, de minha posição de vigia, assisto os casais rodopiarem se trombando ao som de um clichê. Me parecem crianças brincando em gangorras ou balanços, exceto que crianças não seguem regras e ali todos acompanham estritamente o roteiro de seus papéis como se tivessem medo de serem repreendidos por quem os assistisse ou dirigisse. Assistindo, acho que sou só eu.
A música termina abrupta, sem aquele toque retumbante que costumam ter as valsas ao final. Me lembro de como a música terminava ao levantarmos a agulha da vitrola e é curioso que a banda tenha soado assim. Então, o brinde. A aniversariante diz que todos tirem suas máscaras. Demoro a tirar a minha, meio pela timidez de me revelar a quem talvez me observasse ali isolado, meio também por, desconectado do ritual, demorar a captar a ordem. Os outros tiram as suas num movimento extático que parece único, sincronizado, enquanto eu ainda fecho os dedos pegando a minha.
Máscaras fora, me assusto, o coração parece que engasga e sei que fico branco. Ninguém mais tem rosto. Nem olhos, nem boca ou narinas, como se eles houvessem saído com as máscaras. Ficam só a protuberância do nariz e as depressões fechadas onde me parece que deveriam estar os olhos. Seguram erguidas as taças esperando a ordem para gritar um viva ou coisa do tipo e beber a champanhe que já amornou, o que de fato não conseguirão.
Com a iniciativa já tomada antes do susto, nem imagino frear o movimento, tiro minha máscara também. Então não consigo ver mais nada ou mesmo tentar falar, o que já não me admira.
Aí sim, já consciente, coloco-a de volta e vejo todos parados nas mesmas posições. Parece um quadro surrealista ou foto de uma cena de balé moderno. Sorrio, último sorriso, arregalando os olhos para guardar bem nítida a imagem que deveria me parecer bizarra mas que, em vez disso, acho linda. Levantando a taça em brinde, como todos os outros, e tiro novamente a máscara.