Paredes

Paredes, paredes altas. Os cômodos já não são muito grandes (exceto pela cozinha, que dá o tamanho de dois quartos), mas a altura do teto de estuque é que lhes dá a aparência claustrofóbica. A proporção inusitada realça a estreiteza da sala principalmente. As portas também, estreitas e altas, que dão para os quartos, parecem fendas. Mesmo abertas, não deixam ver muito mais espaço. Da da cozinha, vem luz, o resto da casa é escura. A janela da sala é um vitrô grande que passa o dia todo coberto pela cortina grossa que parece toalha de mesa.

A porta que dá para a rua não dá para a rua. Primeiro há a sacada, depois a escada que desce, pelo pequeno jardim de roseiras brancas e amarelas, até o portão para a calçada. O terreno é alto, aterrado por causa da enchentes que, antigamente, quando aqui era zona rural, alagavam tudo, do córrego lá embaixo, até quase a Matriz.

Puxando uma fresta à janela, dava para ver as roseiras, o muro verde, não muito alto, do vizinho da direita e as três casas logo em frente. Não dava mais que isso. Mesmo a esquina da avenida, só uns vinte metros mais adiante, ficava encoberta pelo muro, pelas rosas, pela coluna do teto da sacada.

A segunda tentativa é a janelinha da porta. Aberta nem chega à largura da cabeça de uma criança. Nem precisa. Tem uma grade que a impediria de por a cabeça para fora. E fica muito alta, que o pequeno tem de ficar erguido quase na ponta do pé para que os olhos a alcancem.

Da janela, dá para ver a esquina, pessoas atravessando a rua, vindo pela avenida, voltando do trabalho ou da escola. Ou da missa da tarde. Ou do passeia de desocupados pela cidade. Não há como saber sem ir atrás lhes perguntar.

Também dá para ver o vão entre duas das casas em frente. Pelo vão, um morro muito baixo, a uns quinhentos metros dali talvez . À esquerda dele, um ou dois barracos da beirada da favela que há depois do córrego. Favela das antigas, pequena e estreita, dava para ver no caminho para cá. Ladeia uma avenida e os barracos são espaçados, de modo que não é um bom lugar para bandido se esconder. Numa beira, parecida com laje, do morro, há um campo de futebol. Dá para ver a trave que dá costas para o córrego. Deve ser ruim terem de buscar lá embaixo as bolas que são chutadas para fora. Queria ver o cemitério, mas é do outro lado. À esquerda de casa, uns duzentos metros mais para cima. O morro em si ainda era baldio. Tinha mato, alguns arbustos, uma ou outra árvore.

Isso é tudo o que dava para ver. Cinco e pouco da tarde, depois do chá. O calor já passou. Daqui a pouco é tomar banho e ficar de bobeira na frente da televisão até dar sono. Melhor aproveitar enquanto há sol e dá para ver isto.

O sol desce. Desce direitinho pelo vão entre as casas da frente, para trás do morro. Demorou uns quinze minutos. O céu foi amarelando, alaranjando. Depois, escureceu de cima da casa também em direção ao morro, enquanto ele era contornado pela claridade do sol que estava lá atrás mas não queria se apagar. Sem perceber quando, o céu já estava azul marinho e o contorno do morro pelo sol já era uma luz fraca que vinha da lua.

Talvez amanhã eu perceba como os dois fazem isso.

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