À noite, em frente à televisão, na poltrona, deixo as luzes apagadas para elas não esquentarem tanto a sala. Está calor hoje, primavera é época de estio em São Paulo. Na escola nos ensinam que primavera é das flores e verão do calor. Em São Paulo, não. Aqui, a estação mais quente é a primavera, muito quente e seca. O verão é da chuva. Chuva forte, morna, ela não deixa a temperatura subir tanto.
Eu tenho de trabalhar, tenho o que fazer, mas a vontade é nenhuma. O fim-de-semana foi cansativo, trabalhei também. Domingo, depois do Fantástico, já é crueldade demais. É quando o notebook quente em cima das pernas mais incomoda. Parece que ele sua também.
Hora de desistir, deixar para amanhã o que pode ser feito amanhã. Tem só uma coisa que eu preciso fazer agora, mas preciso pensar. Pensar sem vontade é difícil. Com preguiça, a gente faz mais fácil o automático.
Largo o note no pufe que me serve de apoio para as pernas, trago algo gelado da cozinha e me jogo no sofá, agora me jogo, procurando algo na televisão para distrair os olhos enquanto tento pensar.
Televisão no domingo à noite só serve como abajur. É triste pensar em alguém que não tenha nada melhor para fazer no domingo à noite do que assistir televisão. Aqueles programas de futebol onde quatro ou cinco homens falam as mesma coisas que a gente pode ouvir no bar no dia seguinte ou no anterior, uns filmes batidos (muito batidos), noticiários repetidos e cheios de amenidades que foram rejeitadas pelo editor nos outros dias da semana, reprises de documentários que eu já vi, imitações de documentários.
Passo duas ou três vezes com o seletor por todos os canais e não tenho paciência com nenhum. Dois canais de variedades com programas, seriados ou filmes (sei lá), que se fingem eróticos. Paro para pensar: não dá pra levar a sério esses programas. A começar pelos casais, tão lindos que parecem manufaturados. Peles lisas, brilhantes, oleadas. É cômico seu ritual. O casal está na cozinha ou no trabalho, são sempre os mesmos lugares, mas nunca os lugares certos. Nunca tiveram nada um com o outro mas, de repente, cruzam o olhar, falam uma provocação, também sempre as mesmas, e se atracam. Quem escreve esse roteiro deve ser virgem. É a única explicação. Esses programas são supostos a excitar alguém? Pulam a melhor parte: o frio na espinha, chegar perto, falar algo, ouvir, fazer carinho, não saber o que fazer, se expor e tentar. Vão logo à parte uro-ginecológica. Fingida ainda por cima, simulada, muito mal simulada. Ainda por cima, não há suor, a maquiagem não borra, o cabelo não bagunça. Coisa sem graça!
Essas coisas não são assim. Para ser bom, não pode ser assim.