Pela reação exaltada dele, era de se esperar que a dela fosse igualmente nervosa, violenta mesmo, como é de seu costume, carregada de raiva pela repreensão. Pelo contrário, estava visivelmente surpresa. Parada, sem reação. Não entendia como ele tomou por tanta ofensa algo bobo assim. Já logo esse pensamento foi que lhe deixou indignada e com raiva dele.
“Tanta coisa por isso?”
Ele, surpreendido também, não pela frase dela, mas antes por perceber que ela não entendia sua revolta, não soube o que responder. Não soube nem mesmo se respondia ou dava-lhe as costas e ia embora por ter ficado sem palavras. Sentiu-se envergonhado disso. Num primeiro instante, que não foi tão instantâneo assim, sentiu-se reclamando por pouco, sem razão. Era mesmo coisa pequena, ele percebeu. E se lembrou que isso já lhe aconteceu antes, que já se sentiu assim antes. Que muitas vezes deixou passar coisas grandes para depois perder a paciência e as estribeiras com besteiras. Engolir elefantes para engasgar com ratos.
Só que desta vez, algo, alguma coisa que ela disse, que ela fez, ou o modo como bateu o vento, ou o cheiro que vinha da chuva, algo que ele não sabia o que era, lembrou-lhe o sentimento de minutos atrás, de quando perdeu a paciência, e ele, de perplexo pela lógica de ter estourado por pouco, lembrou-se da indignação dos motivos passados e se revoltou de novo, se emocionou e ficou mais triste ainda que antes.
“Parece besteira, e talvez seja pra você, mas é importante. Tudo é importante. Essas coisinhas, coisinhas pequenas, de nada, são importantes. Por que é tudo feito disso, de coisas pequenas. Se a gente descuida delas, descuida de quase tudo que existe. Não é só isso, só essa coisinha, são todas. É isso e todo o resto. Essas coisas pequenas são grãos de areia numa ampulheta. Já grãos demais para que o tempo ande.”
Coisas pequenas são coisas pequenas.
São tudo o que eu te quero dar.
E estas palavras são coisas pequenas que dizem que eu te quero amar.
— Madredeus, Coisas Pequenas
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