Eu cresci acostumado a tomar alguns cafés ao longo do dia. O café com leite da manhã, para ajudar a acordar, acompanhado pelo pãozinho com manteiga. O cafezinho de depois do almoço, confesso que ainda acho esquisito rebater a comida com um café, mas tomo. O café do caminho do trabalho pra casa, o café da hora do café à tarde, o do lanche da manhã, o de quando o amigo chama para conversar enquanto ele fuma, o de quando eu chamo para conversar sem fumar, o da ida para o passeio, o da volta, o da loja, o da sala de espera, o da reunião. Um vez, fiz a experiência de acumular, na minha mesa no trabalho, os copinhos plásticos dos cafés que tomei durante o dia. Foram catorze copinhos, todos duplos. Meu filho, visitndo-me no trabalho, no caminho da recepção para a minha mesa, encontrou a máquina de café. Enquanto pegava um cappuccino, foi grampeado por um colega meu: “Aposto que eu acerto quem é o teu pai.” Acertou mesmo. Uma criança de quatro anos, que não resiste a uma máquina de café… foi até fácil acertar. Eu sei que exagero.
A garotada de hoje em dia não toma café. Dá mal hálito, eles dizem. Na verdade, eles não conhecem o verdadeiro papel social do café. Quando eu passeio, vejo essa garotada, os mesmos que reclamam do bafo de café, conversando em rodas na rua, em torno de garrafas de cerveja, de refrigerante batizado com álcool, vinho barato, cigarro, maconha. Isso sim dá bafo, bafo insuportável. Além de que, não sei a graça toda que vêem nisso, não me parece um bom jeito de aproveitar a companhia. O café é sóbrio, não altera a consciência, aquece e pede um lugar calmo, confortável, com silêncio. É no café que se pode relaxar e ter uma conversa tranqüila e pautada.
Há vários endereços de cafés que eu conheço, para várias situações e sabores diferentes. Ultimamente, tenho freqüentado muito um que abriu perto de casa. É prático, na volta do trabalho ou na volta dos passeios. Tem pouco movimento no fim da noite, um terraço grande, tomadas disponíveis para carregar o telefone ou o notebook, mesas confortáveis para escrever. É bom para conversar, estudar, pensar, desenhar, ouvir música. O pouco movimento é quase só de casais namorando, e de futuros casais tentando começar a namorar.
Na fila para pegar o café, ontem, havia um casal logo à minha frente. Fila pequena. Mas eu já sabia o que ia pedir, peço sempre as mesmas coisas, deu tempo para reparar neles. Acho que reparo muito. Não se tocavam. Sorriam bastante, olhando para o cardápio, para o caixa, para a fila, pra a decoração, para baixo. Não deviam namorar, ao menos não ainda. Perguntaram-se sobre o que queriam, sobre de que gostavam. Deviam estar se conhecendo ainda, futuro casal. Demoram um pouco escolhendo, já no caixa. Fazem o pedido. Eu também faço o meu, mais rápido.
Chegam os copos, eles sobem. O meu chega logo em seguida, subo atrás. São dois lances de escada, paredes de vidro, até o terraço. A esta hora, já está tudo fechando, só o café fica até tão tarde. Tem pouco barulho na rua. A noite, o frio, antes não incomodava. Desde que entrei começou a ventar um pouco e é o vento que incomoda.
No terraço, chegam à minha frente e pegam o último sofá, debaixo do guarda-sol que, à noite, só podia guardar a lua, as estrelas, sol não há. Se fossem namorados, escolheram errado o assento. Que graça há em se sentar ao luar com estrelas cobertos por um guarda-sol? Nem sob o céu feio de São Paulo há. No sofá sem braços, de encosto muito baixo, quase um pufe largo, jogados, para trás, ficavam quase deitados, barriga e rosto para cima, deviam ver só o forro e as varetas do guarda-sol. Que desperdício de visão. Preferiam, então, olhar os copos, a mesa. Talvez preferissem, mesmo se estivessem descobertos.
Para mim, sobrou escolher uma das três mesas que estavam vazias, com cadeiras comuns, de metal. São confortáveis e a que escolhi não tinha guarda-sol. Pousei meu café na mesa, caderno e lápis juntos, ao lado. Tiro uma foto deles para documentar o que fiz, talvez a use no meu blog. Tenho mania de guardar fotos dos cafés que tomo. Minha mesa não tinha um sofá confortável. Sozinho, escrevendo, não me faria diferença não ver as estrelas, mas fiquei sob sua luz. Há algo de romântico nisso, noite, vento, bebida quente, lua, estrelas, meter-se a escrever com caderno e lápis, mesmo para quem está sozinho.
No sofá atrás do casal que não sei se era casal, um outro garoto, digo garoto porque já não sou mais da idade deles, acendeu um cigarro. A garota não gosta, faz cara de de nojo, desvia o cabelo. Acho que tem medo de o cheiro do cigarro pegar-lhe ao cabelo. O garoto oferece-lhe parte de sua metade do sofá: “Chega aqui, senta mais pra cá.” Ele se chega mais para a borda, mostrando o espaço que deixou para ela se chegar.
Ela aponta a borda onde ele está, ao lado do parapeito de vidro do terraço, de onde se vê a rua e as copas das árvores descendo a alameda. Ele é quem chega pro meio e deixá-lhe a borda. Ela se senta, olhando para baixo, para o assento, talvez para ter certeza de que vai se sentar na poltrona e não no colo dele. O vão que ele lhe deixou é apertado, o sofá mesmo é pequeno. Ela, para caber direito no vão estreito, se senta meio de lado, ombros no encosto, pernas esticadas para fora, apertada entre ele e o parapeito de vidro. A posição não parece muito cômoda. Ela se ajeita um pouco mais, com o corpo o empurra. Ele lhe dá alguns centímetros a mais de assento. Agora ela consegue pôr o copo na boca e beber com segurança sem babar. Brinca: “Não adianta ficar assim grudado, eu não vou dar pra você.” Ele ri: “Está bem, melhor você já ter me falado mesmo logo de cara, assim eu também não preciso fingir que gosto de você.” Riram. Ela, rindo, lhe xingou e se acomodou melhor. Deram-se os braços, como namorados de antigamente. E se encostaram, sentados, afundados no sofá, olhando um para o copo do outro, conversando baixinho, agora sérios, discretos.
Eu não conseguia mais ouvir. Foi quando percebi que estava sendo bisbilhoteiro. Que coisa feia, escutar a conversa dos outros! Experimentei a temperatura do meu chá e foquei no caderno. Desenhei, escrevi. Sei escrever, não tão bem como gostaria, mas gostaria também de saber desenhar. Faço só uns rabiscos, mais brutos que de criança. Crianças desenham na escola, regularmente. Eu desenho envergonhado, escondido, enquanto penso no que escrever. Desenho bem mesmo quando desenho fora do papel, só pensando. Mas aí não tem graça, ninguém vê.
O vento incomodava, não era nada que me fizesse querer sair correndo pra casa ou procurar um agasalho, mas me encolhi um pouco, pra me aquecer em mim mesmo, e mergulhei dentro do caderno. Escrevia com o braço junto ao corpo. A outra mão, braço encolhido, segurando o copo quente no colo. Quando o chá acabou, daí uns quarenta minutos, senti as costas e o pescoço doloridos da posição. Mexi-me e espreguicei. Pensei em pegar mais uma bebida, algo quente com leite. Demorei pensando em quê.
Indeciso sobre a bebida, acabei reparando de novo no casal. Chegaram em algum ponto conclusivo da conversa. Aquele momento em que os casais, ali no terraço daquele café, fazem cara pensativa e olham hesitantes cada um para o próprio copo, fugindo um do outro, pensando bem se devem dizer o que querem dizer. Foi ele quem disse alguma coisa então. Ela pôs-lhe uma mão sobre um dos pulsos, que ainda segurava o copo, e olhou-lhe, séria. Ele também tomou coragem de olhar.
Estavam tão próximos que não fazia sentido não fazer nada. Ela inclinou o rosto e tocou os lábios dele com os seus entreabertos. Só tocou e aí olhou-o mais diretamente, com os olhos fixos. Ele ficou mais encabulado, vermelho, olhou para o copo dela: “Você sabe que pra mim isso significa mais do que se você tivesse dado pra mim.”
Aí foi ela quem ficou vermelha, voltou a olhar para o seu copo e pôs-lhe a cabeça no ombro. “Eu sei… tambem você significa pra mim mais do que isso.”
Teu olhar e teu relato são tão únicos que eu gostaria de estar ali com você, dividindo um café para ver ao vivo…. 😉
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😉 É só convidar. rs Te garanto que se você olhar bem, vai ver coisas boas e interessantes em tudo. Basta procurar.
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Tentei convidar hoje…
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Ah! Que pena! 😦
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