Tem coisas do trabalho que não se pode conversar no escritório, no meio das mesas, dos outros funcionários. O certo seria conversar em particular numa sala de reunião. Mas as salas de reunião dos escritórios novos são mal feitas, não isolam direito o som. Além disso, duas pessoas conversando numa sala de reunião, depois de algum incidente sério em que um deles esteve envolvido, chama muito a atenção. Eu percebi isso logo. Me acostumei a ter esse tipo de conversa noutros lugares, no posto de gasolina, na padaria. Foi por isso que chamei meu colega para conversar no estacionamento fora da empresa. Ninguém espada. Fica longe do prédio, quase um quilômetro de descida, precisa ir de carro. É normal as pessoas descerem lá para fumar e ficarem conversando.
Eu estacionei, peguei um chiclete, sentei na guia mascando. Meu colega acendeu o cigarro e se encostou no meu carro, fumando. Fechei a janela com o controle remoto, para não entrar fumaça, e fiz-lhe sinal de que ia se sujar, o carro estava todo sujo, pego estrada de terra todo dia. Ele deu de ombro e continuou.
Queria animá-lo, o clima andava bem pesado, desagradável. Não consegui, ele me explicou todos os motivos, sem a raiva que devia sentir. Explicou consciente, detalhado. Falamos sobre o que fazer. Ele não se animou, tampouco se empolgou com o plano de ação. Planejou e ia segui-lo tão maquinalmente quanto seu desanimo permitia. “É questão de tempo. Já vai acabar.”
Ele fumou três cigarros, incluindo aí o tempo que enrolei para destravar a porta do carro e deixá-lo pegar o segundo e, depois, o terceiro. Irritação me faz tomar café. A ele, faz fumar.
Pediu-me para voltar antes que pegasse o quarto. Levantei-me. Ele deu a volta no carro para entrar. Cheguei perto da porta, mas antes de destravá-la de novo, vi um bichinho no vidro.
Era uma abelha, quietinha, como se estivesse grudada na poeira grossa que sujava o vidro. Quieta demais, eu podia apostar que ela havia se encalhado na poeira e já estava cansada demais de tentar sair dali. Cansada demais para tentar fugir sozinha.
Eu não gosto de matar bichinhos, nem baratas, nem osgas, graças a Deus nunca precisei matar rato. Nem ratos sei se mataria. Fiquei com pena de dar partida ou abrir a janela com a abelha ali. Nem sei que mal isso poderia lhe faz, mas tive pena. Sempre tenho. Ainda mais da bichinha ali, parecendo indefesa.
Meu colega me perguntou o que tinha acontecido. Falei da abelha no vidro, que ia colocá-la no canteiro de flores atrás de mim.
Procurei alguma coisa, peguei o crachá. Pensei se estava ainda viva. Estava, enquanto a recolhia, com cuidado, tenho aflição de achar que vou machucar bicho, usando o crachá, ela mexeu um pouco as anteninhas. Ainda assim, ela nem fugiu, nem ficou em pé no crachá, caiu de lado, deitada nela. Nem se aconchegou, como fazemos ao deitar na cama, na poltrona, ou no colo. Devia estar muito mal.
O crachá de plástico é liso, eu só tinha que girar o corpo, meia volta, para colocá-la nas plantas. Casca de inseto também é lisa. Mesmo com meu cuidado, ela escorregou e caiu. Caiu direto pelas frestas do ralo grande que recolhe a água da chuva. Ele estava logo à minha esquerda.
Olhei pra dentro do ralo. Dá pra ver, entra bastante luz. Procurei a abelha. Ela já estava grudada numa teia de aranha.