Vinte Minutos

Quando cheguei em casa, me joguei de costas na cama, no escuro, sobre a colcha. Joguei o telefone do lado, ao alcance da mão. Qualquer coisa, estava fácil de atender. Deixei o rádio ligado para ouvir as notícias e, quieto, preguiçoso, descansar um pouco. Principalmente descansar. Tinha que aproveitar que cheguei cedo e tinha algum tempo, tinha compromisso, logo ia sair de novo.

Deitei e fechei os olhos. Não estava no plano, mas cochilei. Não sei se cochilar é a palavra certa pois foi um cochilo pesado, mais pesado do que a maioria dos sonos que já tive.

Acordei achando que já fosse de manhã. Pensei ter perdido a hora do compromisso, olhei o relógio, fiquei surpreso que só tivessem se passado vinte minutos. Sobrava tempo ainda. Encostei a cabeça de novo pensando no rápido sono pesado.

Não sei o que sonhei naqueles vinte minutos, se sonhei, mas acho que não deve ter sido algo bom. Minha respiração estava profunda. Como nos exercícios da aula de yoga. Eu já fiz aula de yoga. Talvez não devesse dizer isso. Podem rir de mim, já riram de mim por isso. Eu fiz, não me importo. Na aula de yoga, você força o diafragma para encher o máximo possível os pulmões. A maioria das pessoas normalmente só enche a parte superior do pulmão, o peito. Nas aulas, exercitamos encher a parte do pulmão que fica no abdômen. O professor fala em respirar com a barriga. Muitos cantores fazem essas aulas. Ela auxiliam na técnica para cantar. Aumentam o intervalo que se consegue cantar sem parar para respirar. Para pessoas comuns, melhoram a capacidade aerobica e acalmam. Exercícios de respirar pela barriga são talvez a forma mais eficiente de controlar a ansiedade e se acalmar. Ao menos nos ensinam assim nas aulas. Pode ser sugestão, mas para mim parece realmente que funcionam.

Aquela respiração era diferente. Era expontânea, não um exercício. Como se eu estivesse suspirando sem parar. Devagar. Um suspiro depois do outro, sem pausa. Não podia ser normal. Acho que não era bom. Isso era uma inquietação tão grande que demorei para notar que a cabeça doía. E doía muito. Preocupação? Algo daqueles vinte minutos?

Se a respiração fosse agito, por susto, medo, o coração estaria disparado. Não estava. Pulsava forte. Sentia no peito, no pescoço e nos pulsos. Forte, mas no ritmo normal. Não estava rápido, muito menos disparado. Era como se coração e pulmão resolvessem trabalhar com força, energia. Como se fosse soldados marchando, pés batidos forte no chão. Não me sentia bem com isso. Contra quê marchavam? Eram eles que faziam minha cabeça doer? Sonhei?

Senti-me como criança, assustada diante da reação desconhecida do corpo contra a doença. E nem doença era. Rolei, deitei de lado, atravessado na cama. Prestei atenção na respiração, profunda, enérgica. Não me acalmava. Nem podia, eu não estava nervoso.

Ainda não sei o que havia. Estiquei-me, para a cabeça alcançar o travesseiro. Pousei-a nele como num colo, parecia mesmo um colo. A colcha sintética, fria, sobre ele, refrescou-me a cabeça. Pensei que talvez estivesse com febre. Testei, com o pulso encostado à testa. Não estava. Trazendo o pulso de volta, da testa para o corpo, toquei meu ombro. Foi instintivo, sem perceber direito, abracei-me. Com meus próprios braços, uma mão no ombro, a outra no cotovelo. Não apertei esse abraço. Cheguei o ombro junto ao rosto. Parado ali, assim, me abraçando, Um lado do rosto pousado no travesseiro. O outro descoberto, ao relento do quarto. Olhos fechados, no escuro. Não sei o que havia. O que havia de errado. Meu peito, coração e pulmões, não sei se era algo errado, mas fazia algo ainda, trabalhava forte, enérgico, por conta própria. Não era já meu peito. Independente, eu era dele.

Intrigado, eu me deixei ficar, prestando atenção no fenômeno. Não só intrigado, hipnotizado, refém.

Nesse tempo todo, nem ouvi o rádio. Quando me lembrei, só notei que já era outro programa. Passava das oito, talvez estivesse atrasado para o compromisso. Olhei o relógio. Não, não estava. Sairia em boa hora. Precisava sair, passear, espairecer. Prestar atenção na direção, desviá-la do peito, acabaria com isso.

Ainda estava com as roupas das rua, sapatos inclusive. Apenas peguei a carteira, as chaves e saí.

A familiaridade do bairro, das avenidas conhecidas, o trânsito tranqüilo, a música chata no rádio, não foram distração suficiente. Ainda pensava, e prestava atenção ao meu peito. À ansiedade que não era. Coincidência ou não, logo que percebi isso, uma sensação diferente mudou tudo. Não prestei mais atenção a nada disso. Uma luz me iluminou: a lua se lembrou de mim e me sorriu.

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