Primeiro Vôo

 

Minha admiração por pássaros, morcegos, insetos voadores, não é antiga. Eu já era adulto crescido quando comecei a reparar nesses bichos e a me embevecer com sua capacidade de bater asas e alçar vôo, sua coragem de confiar nesse vôo, sem nada que lhes apoie além do próprio esforço. O vôo é, acima de tudo, um desafio do animal desamparado à natureza toda.

Toda admiração tem um fundo de inveja que, mais cedo ou mais tarde, se torna consciente. A minha se tornou. Invejo o bicho que, sem saber porquê, teve coragem de saltar do ninho, de braços abertos, como talvez tenha visto outro fazer, sem saber se conseguiria, mas tendo certeza.

Em sonho, uma vez, uma única, ganhei asas. Eu não sou pássaro. Não tive o instinto ou a coragem de saltar para o mundo. Acovardado, chorei e me segurei ao que pude, evitando até o último minuto descobrir se minhas asas funcionavam, se eram de verdade, se as sabia usar.

Quando deixei o chão, não foi num salto heróico, de braços abertos. Foi expulso, hostilizado, atirado violentamente contra minha vontade.

Voar? Consegui. Depois de muito esforço e desespero para não me esborrachar. Daí, logo meu vôo se tornou uma disparada livre, arrebatadora. Voei rápido, muito rápido. Da altura nem sei. Não prestei atenção. Só queria saber da velocidade e da sensação de me sustentar sozinho, sem ajuda de nada ou de ninguém.

Voei, voei. Voei.

Voei sem olhar, até tocar algo. Uma espécie de teia. De aranha? Teria de ser uma aranha absolutamente gigante!

Não era de aranha. Não era grudenta. Era como uma rede de linha, de barbante, corda. Como as usadas para pescar. Eu era um pássaro em alguma espécie de arapuca?

Imediatamente senti-me arrastar para a sombra. Onde estava? Quem me arrastou, para onde?

Nessa sombra, não a da noite, era como a sombra de um teto, senti ser pousado, a rede comigo dentro, em algo. Logo algo me esmagou. Uma pancada? O quê? Quem? Por que? Não tive tempo para essas perguntas. Logo morri. Sem respostas. E nem me faria diferença tê-las.

 

4 comentários em “Primeiro Vôo”

        1. rs Matou rs No sonho foi assim, não dá para escolher.
          Mas sempre temos a esperança de uma noite após a outra.

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