Um Capuccino e um Chocolate

Eu desliguei o telefone. Têm coisas que eu sabia que ia ouvir, mas não queria. Certas coisas, ninguém deveria ouvir. Guardei-o no bolso e andei. Acho que andei. Passos curtos, pés arrastados. Era um andar hibernante. Se olhasse a mim mesmo, provavelmente acharia patético. E era. Tinham o direito de achá-lo.
Andando de cabeça baixa, vendo meus pés e os dos outros. Surpreendo-me de não me ter distraído com ninguém. Normalmente disperso, atento a quem repara em mim. Não deveria ser assim, para gente normal. A mim, isso sempre incomoda. Nunca chamo a atenção por algum bom motivo. Mas, então, não me distrai, não reparei, ninguém. Só pensamentos, desordenados, melhor nem pensá-los, se é para serem assim. Acreditamos que o pensamento deve encadear alguma lógica, nos levar a conclusões, decisões. Aqueles não. Pensar assim não leva a nada. Acho que dei duas voltas no shopping, uma hora, mais ou menos. O shopping é pequeno.
Esqueci de procurar o que ia comprar. Na verdade, percebi, esqueci o que ia comprar.
Dei mais uma volta, procurando se me lembrava o que era. Passei pela loja de vinhos. Quis comprar uma garrafa. A televisão ligada de madrugada, os pés no pude, o tablet no colo. Vinho atrapalha a escrever, ou ajuda. Com vinho, é difícil ter idéias novas, mas as velhas que deviam ficar guardadas, cismam em sair. E o vinho engana bem como companhia. O sabor distrai. Se não tivesse álcool, seria perfeito, o companheiro para todas as horas. Vou deixar para comprar o vinho no final, não quero carregar nada pesado.
Na verdade mesmo, não fui ao shopping para comprar nada. Queria ver gente e talvez encontrar no rosto de alguém o mesmo que havia no meu e, nisso, não me sentir tão aberração, tão errado, como então. Precisava de evidência de que houvesse mais gente no mundo como eu.
Em frente à loja de vinhos, uma Starbucks. Café ruim, com gosto de queimado. Depois vou lá também, logo antes do vinho.
Ao lado, uma loja de roupas. Houve uma época em que gostava dessa marca. Acho que eram camisas que eu queria comprar. Ou não, mas queria comprar. Preciso, ando muito relaxado. Bom, trabalho só com gente relaxada. Isso contagia. Mas eu gostava de achar que tenho algum motivo para não relaxar. Das camisas da vitrine eu não gostei. Não têm nada a ver comigo, nem com o que quero pra mim.
Mais andar.
Tenho umas coisas guardadas que não queria mostrar a ninguém. Talvez não sejam asa de mais, talvez sejam demais. Dane-se. Vou publicar, não sou mais criança pra me preocupar com a reação da professora à minha redação.
Mais andar.
Vi canetas numa vitrine, uma que serve para desenhar no tablet e também como esferográfica. Tive uma idéia e a comprei. Já podia fingir que havia satisfeito o propósito mercantil da visita.
Acabou a volta.
Outra volta. O mesmo nada.
Fim do “passeio”. Tinha duas mesas do lado de fora da Starbucks, mais lugares nas poltronas dentro, e nenhuma fila no caixa. Isso é estranho. Parecia feito para mim, muito certinho. Hoje não estou a fim de tomar café andando, já andei demais. E pegar fila para tomar café ruim, nunca!
Entrei, fui ao caixa, me senti meio estranho, mas pedi como queria. Meu capuccino, o maior possível, com chocolate, e extremamente quente, tem que pedir assim para não vir morno, e um chocolate quente, tamanho normal, para fazer companhia ao meu capuccino.
Enquanto esperava o preparo das bebidas, um sujeito se sentou no sofá que estava completamente vazio. Havia muitos lugares ali, mas eu não queria sentar com ninguém. Mania. Idiossincrasia. Também só havia mais uma mesa do lado de fora. Tinha dois copos vazios, açúcar espalhado por toda a tábua, a vizinha ouvia som altíssimo nos fones, ao menos era rock. Limpei e sentei-me.
Pus os copos, o copinho do chocolate e o copão do capuccino, lado-a-lado. Tinham, ambos, o meu nome. Não tentei fazer diferente porque, sabe como são essas empresas americanas, não me entenderiam, não conseguiria, melhor não tentar. Já tinha pensado nisso alguns metros antes, na vitrine da caneta. Abri a embalagem da caneta e personalizei os copos a meu jeito. Um para mim, outro para minha desejada companhia.

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Fotografei, talvez servisse, mais tarde para ilustrar um post.
Escrever, para mim, sempre foi um desabafo. Me lembro de longas cartas, quase livros, que escrevi após decepções amorosas. Decepções, via de regra, comigo mesmo. Culpa minha, vacilão. Cartas que nunca foram postadas, mas que me serviram de travesseiro, lençol e colo, em momentos de dor, para depois serem esquecidas. Fico preocupado imaginando que alguma tenha chegado às mãos de minha mãe.
Hoje eu acho que não ia conseguir escrever, mas havia prometido. Ter prometido, não ajuda. Acho que não ia conseguir mesmo. Escrever, desabafar, não ia ajudar. Olho o que tenho anotado e nada me dá vontade de escrever.
As coisas que eu tinha guardadas e resolvi publicar, fariam as vezes. Livrariam minha cara na preguiça, já teve gente que me disse que sofrimento é preguiça, ou desanimo de hoje. Não eram para isso. Mas serviriam.
Tomei meu capuccino sem pressa nenhuma. Mesmo assim, não foi suficientemente devagar, ele acabou antes da hora. Antes que eu quisesse. Tentei tomar o chocolate para enrolar mais. Dei uma bicada. Nem era meu, nem gostei. Soube-me muito doce, talvez de açúcar, talvez do chantilly.
Suspirei uns dois minutos, arrumei os copos para o canto da mesa, minha sujeira. Para junto da outra sujeira, que não era minha, que eu havia já juntado.

Fui para a loja de vinhos. Costumo demorar. O atendimento também costuma ser demorado, cuidadoso. Escolhi rápido. Um bordeaux. Não conheço. Não entendo de vinho, apesar de ter ouvido atento a entrevista do especialista no rádio. Sei de algumas regras para escolher coisa decente e sei de alguns que eu gosto. Todos portugueses. Só entendo isso.
Peguei na prateleira. O vendedor logo veio. Fomos ao caixa. Paguei. Saí.
Fui para o carro e fui embora.

O fim-de-semana seria longo! Muito longo! Três noites e dois dias. Inteiros!

O bordeaux? Ele é saiu-me muito bom. Está muito saboroso mesmo!

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4 comentários em “Um Capuccino e um Chocolate”

  1. Não deu para entender a identificação do capuccino… 😞
    Poxa, não acredito que não gostou do chocolate quente…tenho certeza que a borboleta adorou rsrsrs 😉
    O vinho? Não entendo nada,
    Mas o vinho já é uma companhia muito, muito agradável e certeira sempre!

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        1. Não gosto do sabor doce. Doçura não tem necessariamente de ser um sabor.
          A música é linda, essa também. Outra das bandas que só eu escuto rs

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