Eu gosto de passear em parques. É o meu passeio preferido. Jardins botânicos, hortos, praças bonitas, orla, passeios com muitas árvores e sombra, o melhor deles é a sombra.
Fui criado num lugar onde o cimento não dá refresco. Cimento em cidade poluída, esquenta, seca o ar. E isso, com poluição densa castiga muito. Ainda mais para um narigudo como eu. Calor, poluição, secura, pra piorar só ar-condicionado. Haja soro fisiológico.
Agora, independente do tempo, verde sempre faz bem. Ver os troncos, galhos, as folhas, parasitas, bichos, flores, mesmo que entre vãos dê para ver prédios e carros ao fundo.
Gosto também muito de ler e, moleque de periferia que eu fui, Sentar em galho de árvore pra ler, é uma delícia, muito da minha adolescência passei assim.
Namorar sentado na grama, na beira de um lago, também é gostoso. Só ficar ali quietinho abraçado, se houver uma árvore para encostar, melhor ainda. Infelizmente, mulher não costuma gostar disso, suja a roupa, dizem elas.
Eu assim, nem preciso sair pra almoçar. Qualquer lanche cai bem, uma fruta, água, tudo vira picnic.
E quando estou sozinho gosto de tirar fotos das plantas, das flores. Se encontro uma bonita, e a maioria é, ou um arbusto cheio delas, um tapete de flores coloridas todas do mesmo tipo misturadas com a grama, feito um painel. Queria ter um painel assim no chão de casa. Acho muito bonito. Morar em apartamento me parece cada dia mais inconveniente. É vida moderna, flores, plantas, árvores, as coisas estão rareando.
Os bichos dão vida a esses quadros com plantas. E eu sei que plantas também são vivas, mas os bichos correm, comem, brigam, alguns voam.
Se eu tivesse jeito com câmera, seria um freqüente fotografador de bichos, – fotografador, não fotógrafo, que não sou profissional – de pássaros principalmente, pássaros são bonitos, curiosos… e isso também é curioso neles… ou muito imponentes ou muito frágeis, sem meio termo. Quando vejo um bonito, sempre quero fotografá-lo. Um dia terei feito uma bela foto de pássaro, a emoldurarei grande para pendurar no escritório.
Outro dia, passeando no jardim, vi um sabiá muito bonito. Óbvio que quis fotografá-lo. Tentei cercá-lo e ele fugiu. Ali tem uma moita longa que funciona como muro, ele estava de um lado, voou, fugiu para o outro. Eu cercava e ele fugia. Até que desisti e resolvi ficar só olhando.
Apareceu outro, pouco menor, mais bonito, mas o peito não era alaranjado como o do primeiro, era uma fêmea. O primeiro era macho.
Distraí-me com ele. Quando percebi, o outro havia alcançado uma fruta no chão e se aproximava para tentar comer. Oportunidade minha. Cerquei, ele se afastou da fruta. Fui seguindo, seguindo. Não consegui a foto. Ele se punha entre alguns galhos muito pequenos que, se não o escondiam, atrapalhavam totalmente o foco. Bichinho esperto.
Essa manobra evasiva deu tempo para a fêmea alcançar a fruta. Tentei ser sorrateiro e chegar nela para fotografar. Ela se afastou, não tão estratégica quanto o macho para se proteger. A foto seria boa. Mas o macho, tomado de sua coragem protetora, se atirou sobre mim, e atrapalhou tudo. Fiquei desconcertado, não esperava por isso. O bichinho me atacou, talvez pensasse que ganharia uma noite de amor por defendê-la de algo que tinha, no minimo duzentas vezes seu peso?
Refiz-me da surpresa e tentei de novo fotografá-lo. Mesma estratégia a dele, fugia e se escondia onde a foto não era possível. Esse bicho deve ter experiência com fotógrafos amadores. A fêmea se aproveitava para tentar comer. tentei fotografá-la, e ele a protegeu de novo.
Confesso que estava respeitando o bichinho que frustrava minha pretensão, essa minha outra pretensão, a de fotógrafo. Desisti. Guardei a câmera e fui procurar onde me sentar para ler. Estava há uns 10 metros dali quando vi a seqüência do caso dos sabiás. Apareceu um segundo macho, alguns gramas mais forte que o meu inimigo.
Apareceu sem cerimônia nenhuma já pousando junto à fruta. Fez um maneio de cabeça, parecido com uma bicada no ar, como se estivesse ameaçando uma bicada em quem o impedisse de roubar a fruta.
A fêmea se afastou. O primeiro macho voou para longe também sem rodeios. O novo macho ficou ali, comendo a fruta até se fartar aos olhos respeitosos da fêmea, agora abandonada, que antes dele terminar foi procurar outra coisa para fazer.
O primeiro sabiá, que ainda a pouco eu respeitava como corajoso, agora era para mim o mais desprezível covarde.