Minha avó não as tirava dos pés, ela dizia que seu pai, meu bisavô, também não. Daí veio o apelido da família, o sobrenome que tinham antes de deixar a pequena aldeia de Olmos, próxima a Macedo de Cavaleiros, em Trás-os-Montes para tentar a vida ao Brasil.
Dona Maria Socas, minha avó, Seu João Pedro Socas, meu bisavô. Minha bisavó devia ter outro apelido, que trazia ainda de solteira. Naqueles tempos, não era prático mãe e filha de mesmo nome, Maria, terem também o mesmo apelido.
Os documentos portugueses não registravam apelidos na época (início do século XX). Ora, o que nós brasileiros chamamos de sobrenomes era, para os portugueses de então, pouco mais que isso mesmo, apelidos. Não era incomum as pessoas deixarem de ser conhecidas por um passarem a sê-lo por outro ao se mudarem, casarem, adotarem profissão. Ou serem conhecidos por mais de um, em contextos diferentes. Por isso mesmo, ninguém da família se preocupou em registrar o motivo pelo qual, chegando a Santos, o escrivão registrou minha avó como Maria dos Santos e não Maria Socas, e meu bisavô, João Pedro dos Santos, e não João Socas. Porventura o escrivão, estranhando a palavra, incomum no Brasil, e o sotaque, carregado, de camponeses que misturavam o mirandês com o português e soavam, na maioria das vezes como espanhóis. Talvez esse escrivão tivesse entendido Santos em vez de Socas e acrescentado o “dos” por ser costume no Brasil.
Meus tios e minha bisavó, viraram dos Anjos. Seria esse o apelido original de minha bisavó? Ou pegaram outra fila, com outro escrivão ruim de ouvido? Na hora, ninguém percebeu. Ninguém soube ler o que estava escrito no papel. Só percebiam que tanto nos que traziam da terra quanto nos novos, a primeira palavra escrita a caneta era a mesma: “João”, “Maria”, imaginavam ser seus nomes.
E viam que nos novos, havia um escudo de formato curioso, com estrelas dispostas em cruz.