Confiança

— Você é muito desconfiada.
— Eu? Desconfiada? Por que?
— Sim, você. Por exemplo, olha só quanto rodeio para falar as coisas, para concordar com algo, você pergunta tudo, parece detetive. Acha que vão te enganar.
— Eu não sou desconfiada, não.
— Claro que é.
— Eu confio em você.
— Vamos fazer uma brincadeira? Um pacto de sangue…
— Eu não vou tirar sangue.
— Estou brincando. Vamos fazer um pacto de confiança?
— Está bem. Eu confio em você, você confia em mim.
— Não, não é assim que funciona.
— Como funciona então?

Combinaram escrever em papel algo que não teriam coragem de contar e algo que não teriam coragem de perguntar, um ao outro.
Trocaram os papéis confiando de que ninguém os leria.
Não demorou muito para a conversa voltar.

— Escuta.
— O quê?
— Além de desconfiada eu sou curiosa…
— Eu sei, mas eu confio em você.
— Eu tive uma idéia. Em vez de testar a confiança em confiar um papel fechado. Podíamos confiar deixar ler o que está nele?
— Mas quem me garante que você não escreveu algo bobo e sem importância, já pensando em falar para abrirmos logo?
— Agora o desconfiado é você.
— E, se você ler algo que te magoe?
— Vai testar minha compreensão e minha humildade também.
— E se eu ler algo que me magoe?
— Vai testar minha sinceridade.
— Vai me testar também.
— Há as perguntas também…
— Não temos coragem de fazê-las.
— Mas ambos queremos as respostas.
— É uma troca então? Parece negócio.
— Que confiança maior do que deixarmos o outra saber o que está escrito ali?
— Mas ouviremos as respostas?
— O medo é de perguntar ou de ouvir a resposta?
— Talvez seja melhor testarmos logo. Se for o caso, melhor nós decepcionarmos logo.

Ambos só concordaram porque perceberam-se mutuamente apreensivos. E porque as frases da conversa pareciam trazer coragem e confiança. E também porque, se o outro não merecesse, bastava aí.

Abriram os papéis e sorrisos. Sentiram-se encabulados de desconfiar um do outro. Nos papéis, as coisas que diziam e as perguntas que faziam eram mais ou menos as mesmas.

Na verdade, eram o que já sabiam, sempre souberam.

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