Calma

Não foi um momento de fragilidade, um acontecimento em especial. As coisas especiais da vida não precisam de momentos catalisadores, que funcionem como gatilhos. Aquele momento era a soma de vários acontecimentos, e de não-acontecimentos, de decepções, de frustrações, e de coisas boas que deram esperança, e de mais frustrações que pisotearam a esperança e o coração. Quem já passou por isso sabe que não é um momento de fragilidade, é um momento em meio a uma avalanche, que atropela, engrossa e varre cada vez mais coisas ruins junto. Uma avalanche de fragilidade, que só algo muito especial pode aliviar. E esse algo foi um abraço. Um abraço sincero de quem se importa. Aquele abraço que começa desajeitado, a gente não sabe como, mas depois relaxa, fica a vontade e sente, aliviado, que nem tudo é ruim, que algo de bom existe, que alguém se importa. Que esse alguém olha de fora e, a gente pode confiar, diz que tem uma saída, que vai dar certo. E a gente pode confiar que vai. Quando eu comecei a desconfiar que abusava da duração do abraço, ela mudou um pouco de posição, ergueu-se um pouco torcendo o corpo ligeiramente para o lado. Assim minha cabeça meio que repousou um pouco acima de seu colo. Senti-me acolhido, a dor do medo aliviou um pouco. Esse alívio fez-me relaxar, e o relaxamento fez-me os olhos umedecerem. Não sei se ela percebeu, se foi por isso. Ela chegou-me, com cuidado, com receio, a mão a meu rosto, à minha bochecha direita, que estava exposta, a esquerda estava encostada à sua camisa. Hesitei, não sabia se deixava. Recuei o rosto, uns dois centímetros, mais pra junto de seu corpo. Assustado, confuso, procurei nela mesma proteger-me do carinho dela. Ela chegou o rosto perto de mim, senti sua boca roçar meu cabelo: “Calma, está tudo bem, sou eu!” Fechei os olhos apertado, segurando uma lágrima em cada um. Apertei os lábios para ajudar a fechá-los. E senti sua mão tocar-me o rosto. Primeiro as pontas do a dedos, próximas à orelha. Um arrepio de fragilidade, de quem se sente exposto, fez-me encolher o ombro para perto do rosto, como se quisesse protegê-lo. Depois, o resto de seus dedos, frios em relação a meu rosto, que queimava, pousaram na minha bochecha. Por fim, senti alguma parte da palma tocar-me o nariz. Meu coração disparou e tremi por alguns segundos. Ela aliviou um pouco a mão e a pousou de novo, repetiu, talvez achasse que eu não havia entendido: “Calma, está tudo bem, sou eu!” Senti sua mão aliviar de meu rosto de novo. Ela, com a palma, limpou uma lágrima que me escorria. Senti, por bem, levantar o rosto de seu colo e olhar-lhe. Com os olhos abertos, ainda apertava os lábios trêmulos, não sei porque. Levantei o rosto para olhá-la frente a frente. Procurei seus olhos. Estávamos perto, eu sentia sua respiração, ela devia sentir a minha. O que não era tanto se pensamos que, abraçados, já havíamos sentido os corações, um do outro, baterem. Ela não podia deixar passar o que havia começado, levou-me de novo a mão ao rosto. Dessa vez ajudei, fechei os olhos e, ofegando, emocionado, cheguei o rosto onde sabia estar sua mão, até repousá-lo nela. Aí desabafei, relaxei os lábios, arfando fundo, cansado, pus minha mão sobre a sua, para que ela não a retirasse. Ela respondeu pondo a outra mão do outro lado do meu rosto. Abri os olhos úmidos. Ela segurava minha cabeça de modo a que nossos olhos se visse diretamente, sem desvios ou obstáculos. Variou a fala: “Agora está tudo bem! Tudo bem!” Eu ensaiei um sorriso antes de baixar os olhos e desabar em choro desinibido. Abracei-a, apertando os braços como podia, engasgando no choro franco, sem vergonha. Ela abaixou a cabeça também, para beijar-me a testa. Ficou depois com a boca fechada encostada nela. Eu logo iria me cansar de chorar, e me acalmar aos poucos, com o rosto entre suas mãos.

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