Saramago

20100618160456-saramagoSão quatro momentos de que me lembro de maneira especial.

A primeira leitura do Evangelho de Jesus Cristo (no título é “segundo Jesus Cristo”, mas o próprio autor dizia “de”). Peguei o livro à uma da madrugada e tive de me segurar para não virar a noite acordado lendo, precisava acordar muito cedo no dia seguinte. O modo como era escrito, o conteúdo, o jeito de falar das coisas em episódios (o Saramago dizia algo como seus livros serem ensaios disfarçados de novelas), tudo me fascinou. Foi dele o nome que levei à biblioteca e à livraria no fim-de-semana, entusiasmado para ler mais.

Todos os Nomes é um dos meus livros preferidos. Eu o li bem devagar. Por devagar, entenda-se só um capítulo por dia, por noite. O livro ficou no meu criado-mudo, lia um capítulo e precisava encostar a cabeça no travesseiro, esperando a tinta do quadro secar. Para mim, não foi apenas um livro. Cada passagem me ensejou horas e horas de imaginação noturna.

Estava jantando, já tarde de madrugada. Chegava da faculdade, mais ou menos, à meia-noite e meia. Tomava banho e uma sopa antes de dormir. Às seis acordava para o trabalho. E foi numa das primeiras colheradas de sopa. Naquele dia, por algum motivo eu estava muito cansado e com sono, o que não era normal para mim à noite. A colher na mão, no caminho do prato para a boca. O movimento lento de quem, por consideração à mãe, não dispensou a sopa em favor da cama. Televisão ligada. A colherada foi interrompida pela notícia: “A Real Academia Sueca anuncia José Saramago como o ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1998.” Despertei de imediato. A imagem dele na televisão tirou a dúvida. Deixei a colher cair e fiquei uns dois minutos com os olhos escorrendo, orgulhoso de minha gente.

E foi no metrô, num dia de folga, voltando pra casa, depois de passear pela Liberdade. Procurei alguém para teclar, para me distrair, enfadado do passeio solitário. Não encontrando ninguém, abri o navegador para ver as manchetes e de cara: “Faleceu hoje, nas Canárias, José Saramago.” Não sei explicar a tristeza. Uma estrela se apagou. Ficou o brilho, ainda na retina de quem o lê.

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